Resende aos 220: O resgate das identidades e histórias esquecidas

Leonir foi a primeira descendente de puris entrevistada pelo BEIRA-RIO, em 2013

Há 20 anos, o município de Resende comemorava os seus 200 anos de elevação à vila. Daquela época, ainda em 2001, até este ano, muita coisa mudou. Quase 10 anos mais tarde, entre o mês de setembro de 2010, quando Resende estava prestes a completar 210 anos, e março de 2011, quando o jornal BEIRA-RIO celebrou seus 14 anos de existência, o veículo lançou junto com sua versão impressa a coleção BEIRA-RIO Resende Cidade Histórica, uma série de sete publicações que contavam a história do município, suas transformações econômicas, culturais e a contribuição de pessoas que fazem ou fizeram diferença no desenvolvimento da cidade.

Os fascículos do jornal, realizados em parceria com anunciantes e colaboradores, já apontavam muitas mudanças vivenciadas pelos resendenses ao longo daqueles 210 anos, especialmente nas áreas econômica, urbana e ambiental, sendo que estas se juntam a tantas outras ocorridas nos últimos 10 anos.

Dentre essas mudanças estão o surgimento de novos nomes que têm agregado no resgate histórico de Resende, fundada em 1744 ainda com o nome de Arraial de Campo Alegre, com a chegada do grupo de Simão da Cunha Gago, e que até o ano de 1848, foi elevada à cidade, anos após a criação da Vila com o mesmo nome, em 1801, em homenagem ao vice-rei Dom José Luiz de Castro, o Conde de Resende. Esses nomes estão se esforçando para que uma parte da história não se perca.

A historiadora Aline Pachamama, ou Aline Puri, e o pesquisador e morador do distrito da Fumaça, Francisco Donizetti, possuem algo em comum: a luta na preservação da história dos primeiros habitantes de Resende, sendo que no caso de Donizetti, esse trabalho foi inicialmente focado nas pessoas que vivem (ou viveram) na localidade que marcou a quase extinção dos puris pelos colonizadores que aqui chegaram.

Moradora de Mauá, a historiadora Aline luta pelo resgate da história de seu povo

Antes de ter a oportunidade de entrevistá-los, o jornal BEIRA-RIO conheceu uma descendente dos puris. Em 2013, enquanto fazia uma matéria sobre a lenda do Timburibá, a equipe do jornal entrevistou uma moradora do município, na época no bairro Alto dos Passos, Leonir Cê. Filha de mãe descendente de portugueses e pai de descendência puri, relatou que sua família, oriunda da Fumaça, se mudou para o atual local onde mora em Resende graças a ajuda de outra moradora do Centro.

Sete anos mais tarde, surge na região uma legítima representante desse povo que se acreditava estar extinto desde 1864, com a morte do último nativo na Fumaça. Aline Puri é graduada em História e mestre em História Social na Universidade Federal Fluminense (UFF), e doutora em História Cultural pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Ela luta não apenas pela sobrevivência de seu povo, mas também pela preservação cultural e do meio ambiente em que vivem.

Parque Estadual da Pedra Selada (PEPS) poderá em breve receber espaço de memória puri

Em 4 de junho de 2020, a historiadora – que mora em Visconde de Mauá – foi atração em uma das lives do Comitê pela Transparência e Controle Social de Resende (ComSocial), com o tema “Mantiqueira, Resende e Meio Ambiente”. Na ocasião, ela falou sobre a criação de um memorial dedicado aos Puris no Parque Estadual da Pedra Selada (PEPS), cuja ideia surgiu em 2018 com a gestão da época, e que ganhou força no ano seguinte após a presença de Aline durante um evento da Associação dos Produtores Rurais da Região de Visconde de Mauá (Aprovim), realizado na sede do PEPS. A ideia de fazer uma grande oca, onde ficará o espaço de memória, foi da própria historiadora. No entanto, com a pandemia, iniciada há um ano e meio, ainda não há uma previsão estimada de quando esse memorial estará acessível a população.

Enquanto ainda luta para colocar isso em prática, Aline Puri tem aproveitado para difundir a cultura puri de outras formas. Além de realizar o lançamento virtual do livro “Boacé Uchô”, no canal da Pachamama Editora, no Youtube, que registra o relato de vários representantes do povo puri da região da Serra da Mantiqueira, com remanescentes oriundos dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, ela também gravou a canção “Abya Yala” (com direito a clipe veiculado na TV), que exalta a natureza e os povos originários (puris e outras etnias), em parceria com a cantora, compositora e produtora musical Virginie Boutaud.

Incômodo com o preconceito sofrido pelos habitantes da Fumaça despertou curiosidade de Francisco pela história local (Foto: Divulgação)

RESGATE DE UMA VILA ESQUECIDA
Se de um lado Aline tem impulsionado o resgate do povo que ficou confinado e quase extinto na Vila da Fumaça, por outro um morador da mesma localidade, indignado com a forma pejorativa pela qual ainda são tratados os moradores com descendência puri, resolveu conhecer as origens de seus familiares e de outros habitantes. Mesmo que não tenha frequentado a faculdade de História, Francisco Donizetti, um restaurador de móveis que se encontra atualmente desempregado, foi ainda mais longe em suas pesquisas, não apenas confirmando ou não a descendência puri, como também as histórias de vida desses moradores (como era a vida no trabalho, no dia a dia, nas festas, etc.).

– Sou nascido e criado em Fumaça, minha mãe é nascida no distrito e meu pai é mineiro. E eu cresci ouvindo falar que Fumaça era terra de índio e que tinha índio, inclusive em tons de deboche. Mas eu nunca gostei nem muito dessa questão, porque ser índio era pejorativo, ruim no sentido de que as pessoas julgavam que a gente não tinha educação, não era civilizado e que a gente era bicho do mato – citou Francisco, que herdou a descendência puri por parte da mãe.

Depois de pouco mais de 15 anos a frente dessas pesquisas, que passou do campo das entrevistas e partiu para a pesquisa de informações históricas da Fumaça na igreja e no cartório de Vargem Grande, e tendo a oportunidade de conhecer o professor Marcelo Santana Lemos, e o então diretor do Arquivo Histórico Municipal, Claudionor Rosa, morto em 2019, Francisco decidiu lutar por um espaço para a criação do Museu Etnográfico Aldeia-Fumaça.

Ele ainda encontra dificuldades para sensibilizar o poder público para a necessidade da criação do museu. Por diversas vezes foi a Casa da Cultura, sem sucesso, falar com o presidente. “Eu fui pelo menos umas quatro ou cinco vezes atrás dele, não encontrei nenhuma vez. Só teve uma vez que ele marcou pra eu ir, eu não pude ir, eu expliquei que eu estava trabalhando e não podia ir. Não sei se se aborreceram por conta disso ou se é indiferença ou negligência também, pois ninguém me dá uma resposta oficial se podem usar ou não uma antiga casa (que era de uma moradora que morreu há poucos anos e que seria um posto de saúde, mas segue sem utilidade) para que esse museu fique por lá”.

Vista aérea da Vila da Fumaça (Foto: Rodrigo Leite)

Esse esforço pode estar ganhando apoio nos últimos meses graças ao vereador Zé Antônio PHV (Patriota) que fez uma indicação sobre a criação do museu. “Não é uma indicação que foi aprovada por todos os vereadores teve aprovação unânime, mas quem fez o pedido quem deu entrada no pedido foi o Zé Antônio, que acolheu a minha ideia e que se colocou à disposição de fazer a indicação na câmara para fazer o museu na casa”, completa o morador, que quer mudar a história da Fumaça, que segundo ele, costuma ser esquecida pelas autoridades.

– Desde quando eu comecei trabalhar por fumaça, em 2004, meu objetivo também é atrair o turismo pra Fumaça ter oportunidade de ter emprego pras pessoas que nascem lá, pois o mais comum que acontece é a pessoa nascer e quando chega na adolescência essa pessoa tem que ir embora da comunidade porque não tem como progredir na vida, pois escola lá só tem o primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Depois disso, a gente é obrigado a viajar até Resende pra concluir os estudos. Tanto que fui de uma geração que se sacrificou pra isso, pois os ônibus quebravam no meio do caminho ou atolavam na lama. A gente se atrasava, passava fome e tinha de acordar cedo e voltávamos muito tarde pra casa. Até Vargem Grande tem Ensino Médio. Sem contar que lá não tem quase investimento em infraestrutura da prefeitura – conclui.

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