
Há 20 anos, o município de Resende comemorava os seus 200 anos de elevação à vila. Daquela época, ainda em 2001, até este ano, muita coisa mudou. Quase 10 anos mais tarde, entre o mês de setembro de 2010, quando Resende estava prestes a completar 210 anos, e março de 2011, quando o jornal BEIRA-RIO celebrou seus 14 anos de existência, o veículo lançou junto com sua versão impressa a coleção BEIRA-RIO Resende Cidade Histórica, uma série de sete publicações que contavam a história do município, suas transformações econômicas, culturais e a contribuição de pessoas que fazem ou fizeram diferença no desenvolvimento da cidade.
Os fascículos do jornal, realizados em parceria com anunciantes e colaboradores, já apontavam muitas mudanças vivenciadas pelos resendenses ao longo daqueles 210 anos, especialmente nas áreas econômica, urbana e ambiental, sendo que estas se juntam a tantas outras ocorridas nos últimos 10 anos.
Nos últimos 20 anos, Resende também sofreu mudanças na configuração de seu patrimônio histórico, seja com a perda de imóveis antigos, estando danificados e/ou abandonados, ou com modificações absurdas promovidas pelas autoridades locais. Em um desses casos, a participação de moradores e comerciantes da comunidade de Visconde de Mauá tenta de todas as formas evitar que a Prefeitura construa uma área de lazer na entrada da vila da região turística pertencente ao município.
Surpreendidos no final do mês de agosto deste ano com a notícia nas redes sociais, eles alegam que o governo municipal elaborou o projeto da construção da área sem que a população local fosse consultada antes. O motivo para a reprovação desse projeto, mais do que ambiental, tem a ver com a questão patrimonial da região. Moradores, também nas redes sociais, se manifestaram, a maioria contra, com o temor de que a área em torno da Igreja de São Sebastião seja descaracterizada.

O imóvel é um dos que estão tombados pelo município, segundo o Artigo 30 da Lei 3.446, de 13 de dezembro de 2018, sendo que no seguinte (Art. 31) determina que “será considerada ‘Área Tutelada para Preservação da Ambiência’, todos os imóveis e lotes vagos não relacionados, localizados no Setor Especial Histórico (SEH), nos logradouros acima descritos (no Art. 30), e também aqueles localizados em até 100 (cem) metros das igrejas relacionadas, sendo que toda e qualquer intervenção nos mesmos, deverão ter o parecer do Conselho Municipal de Política Cultural de Resende, da Curadoria do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico e da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano”.
Isso levou a criação do grupo “Evolua, Mauá”, criado pelos próprios moradores, que traz sugestões para o projeto da área de lazer para serem entregues a Prefeitura. Isso mostra na prática a desinformação e falta de conhecimento das leis por parte de quem administra hoje a governo municipal, e de quem planejou construir a área de lazer, assim como o desconhecimento da história da região de Visconde de Mauá.
Em entrevista ao jornal na época do anúncio da construção da área, a professora Paloma Carreño citou que a Vila de Mauá foi palco de um núcleo colonial de 1908 à 1916, e que Mauá ainda guarda resquícios deste passado, como a própria Igreja e as casas antigas que estão no entorno dessa área. “Qualquer projeto que seja feito neste núcleo deve ser muito bem planejado a fim de não descaracterizar este passado. As mudanças neste local terão impacto em toda a região. O projeto propõe churrasqueiras publicas neste local, o que impacta o perfil turístico”, criticou.

IMÓVEL SOBRE COM TRÁFEGO DE VEÍCULOS PESADOS
O caso presenciado em Visconde de Mauá não é o único que retrata o desrespeito contra o patrimônio em Resende. Este episódio tem sido cada vez mais corriqueiro nos últimos 20 anos. No ano de 2007, o município viu ruir um dos últimos imóveis que sobravam na Praça Oliveira Botelho, onde antigamente funcionou a Loja Dom Bosco e também a sede do jornal “A Lira”, extinto no ano de 1997. Pouco tempo depois, a Câmara de Resende comprou o espaço e construiu sua sede própria, inaugurada no ano de 2017. Quase ao lado, outro sobrado ainda resiste, mesmo que descaracterizado e hoje servindo de local de funcionamento para um pequeno supermercado.
Entre os proprietários que ainda tentam preservar a antiga estrutura de seus imóveis, alguns também sofrem com fatores externos que se referem a mudanças no trânsito. No início deste ano, em fevereiro, o jornal BEIRA-RIO entrevistou um dos integrantes da Família Abrão, que tem um imóvel comprado há 50 anos da família do médico e político Oliveira Botelho, tombado pelo Patrimônio Histórico. Na ocasião, a casa de aproximadamente 200 anos precisou passar por uma reforma de urgência na fachada, após uma forte chuva que deu infiltração nas paredes e derrubou uma parte da fachada. Fora isso, a casa inteira está com rachadura.
A residência centenária vem sofrendo com a mudança radical no trânsito promovida entre os anos de 2009 e 2010 no Centro da cidade, realizada ainda durante o governo de José Rechuan Júnior, e que no ano de 2012 chegaram a Rua João Pessoa. A mudança permitiu a circulação de veículos pesados na via, que a exemplo da casa, também é muito antiga e que sofre com trepidações que têm causado danos às casas.
Mesmo com uma denúncia feita ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) no ano de 2016, que gerou a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o órgão jurídico e a Prefeitura de Resende, em 21 de maio de 2019, o mesmo tem deixado de ser cumprido em sua íntegra.

“PASSARELA-ENFEITE”
Como se não bastasse a perda de alguns casarões, a dificuldades de preservar outros e a tentativa de descaracterização de uma área histórica, nem a Ponte Velha escapou das investidas dos governos municipais. Inaugurada no ano de 1905, foi a primeira construída em Resende para facilitar o transporte e a locomoção de veículos e pessoas entre os dois lados do rio Paraíba do Sul. Com o passar dos anos e a construção de novas pontes, ela passou a ficar exclusiva para os pedestres. Ainda na década de 2000, a Ponte Velha teve seu piso trocado, depois de anos, de madeira para concreto.
Anos mais tarde, em agosto de 2013, foi anunciado pelo governo de Rechuan a construção de uma passarela ligando a Ponte Velha ao Mercado Popular. A construção foi realizada pela empresa Ecopontes Sistemas Estruturais Sustentáveis, contratada para fazer a obra. Em nota, a Prefeitura de Resende informou que a previsão para a conclusão da obra seria para o final do mês de setembro, e que o valor total da obra era de R$ 731.621,19.
No entanto, no mês de outubro, o BEIRA-RIO mostrou que dois inquéritos, um no Ministério Público Estadual (MPRJ), e outro no Federal (MPF), foram abertos em julho e abril, respectivamente, para investigar a construção da obra. Em edição 823, publicada em setembro deste ano, uma das justificativas para as denúncias na esfera federal seria o descumprimento da legislação por parte da Secretaria de Urbanismo e Arquitetura que determinava que a passarela teria uma distância lateral da Ponte Velha de 25 metros, mesmo depois da visita de técnicos do Instituto Estadual do Patrimônio (Inepac) por ocasião do anúncio da construção, atendendo a solicitações de pessoas preocupadas com o dano ao patrimônio e ao desperdício do dinheiro público. No caso da Estadual, a investigação é relacionada à acessibilidade à obra.

Com o passar dos meses, a obra foi alvo de polêmicas e passou a ser apelidada de “passarela-enfeite”, já que nem todos os pedestres passam por ela. Após a conclusão da obra, no final de 2013, a jornalista Virgínia Calaes, que era representante no Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência de Resende e mãe de uma pessoa com deficiência, questionou em março de 2014 a construção da rampa de acesso, que ficou fora dos padrões.
Ainda em 2014, a passarela passou por mais uma intervenção em suas bases, com serviço de acabamento com piso antiderrapante e aterramento de estrutura da passarela, com o custo de R$ 91.298,76. Em setembro do mesmo ano, enquanto voltando da Vicentina com a filha, ao atravessar a passarela, o autônomo Mauro Veiga de Faria acabou escorregando e machucando o braço esquerdo, depois que o membro ficou preso na ferragem entre as rampas da passarela e da ponte.
Atualmente, a passarela segue sendo pouco utilizada pelos pedestres, que preferem atravessar as vias entre o terminal rodoviário das linhas locais de ônibus e a Ponte Velha.
Fotos: Arquivo
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