Prefeitura de Resende deixa de cumprir TAC que proíbe veículos pesados em rua do Centro

Residência de Samira Maciel, com mais de 60 anos, sofre com trepidações do tráfego de ônibus e caminhões

Atualizado segunda-feira, dia 22, às 17h45

Entre os anos de 2009 e 2010, o município de Resende passou por mudanças no trânsito do Centro da cidade, realizadas ainda durante o governo de José Rechuan Júnior. Essas mudanças, que chegaram no ano de 2012 para a Rua João Pessoa, no entanto, trouxe prejuízos a proprietários de casas antigas, algumas delas tombadas pelo patrimônio público.

Desde então, alguns moradores vêm lutando desde o ano de 2016 com um processo no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) para garantir a proibição na rua do tráfego de caminhões, ônibus e outros veículos pesados, definidos pela legislação de trânsito vigente no país como todos aqueles que detenham peso bruto superior a 3,5 kg ou com lotação superior a nove lugares, incluindo o condutor. Ainda que tenham obtido algumas vitórias nesses quatro anos (quase cinco), o poder público ainda insiste em descumprir o que foi determinado pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Para entender melhor a história, o jornal BEIRA-RIO entrevistou duas famílias. Ambas relataram os problemas que enfrentaram (e ainda enfrentam) com a passagem desses veículos pesados e com o descaso da prefeitura no descumprimento do TAC. Uma delas, a pensionista Samira Maciel, é filha do professor e jornalista Arízio Maciel (um dos fundadores da extinta Rádio Agulhas Negras) e quase teve interditado pela Defesa Civil o imóvel adquirido pela família há mais de 60 anos.

A moradora revela que apenas soube do processo que corre no MPRJ contra a prefeitura quando os funcionários da Defesa Civil bateram em sua porta, há quase dois anos. Segundo o documento de Auto de Interdição, emitido em 23 de fevereiro de 2018, o imóvel se encontrava com o “forro desnivelado, madeiramento das estruturas com infestação de cupins, totalmente deterioradas, com risco iminente de desabamento parcial ou total”. A equipe do jornal foi visitar as dependências da casa pelo lado de fora e observou que as obras seguem acontecendo, uma vez que ainda há necessidade de novos reparos.

– A Defesa Civil queria interditar a minha casa e que eu saísse de dentro dela, mas não aceitei (no auto, consta que ela sequer assinou o documento). Foi então que comecei a reformar, mesmo ainda ocupando a minha casa, tudo com supervisão de engenheiro. Fiz tudo o que foi pedido por eles – respondeu a pensionista, que fez os últimos reparos durante o começo da pandemia.

Samira conta que gastou aproximadamente R$ 20 mil para reformar a casa. “Tive que reformar a parte de baixo da casa, o telhado estava ruim e depois que começou a pandemia troquei a parte elétrica”, revela.

A pensionista relembra que há poucos anos os ônibus passavam pela Rua João Pessoa, e cita que outra vizinha (a advogada responsável pelo caso da Rua João Pessoa, Nilza Martinelli) chegou a fazer abaixo-assinado pedindo um quebra-mola na rua. “Antes dela pedir esse quebra-mola, os ônibus e caminhões passavam por aqui e a minha casa tremia toda. Esse quebra-mola chegou em boa hora para a gente, foi um grande benefício da Dra. Nilza”.

Atualmente tombada pelo patrimônio histórico, casa da família Abrão teve avarias na fachada e nas janelas dos quartos (Foto da fachada: Divulgação)

Outra situação ainda mais preocupante é de uma das residências da família Abrão, comprada há 50 anos da família do médico e político Oliveira Botelho, e que é tombada pelo Patrimônio Histórico. Segundo uma das familiares, que não quis se identificar, o imovel tem aproximadamente 200 anos e recentemente precisou passar por uma reforma de urgência na fachada, concluída há poucos dias. “No dia em que isso aconteceu, houve uma forte chuva, que deu infiltração nas paredes e aí caiu uma parte da fachada. Foi uma coisa horrível! Além disso, também a casa inteira está com rachadura”, respondeu.

Ela aproveitou para mostrar as rachaduras por dentro da casa, exatamente na parte de dentro das janelas de onde caiu parte da fachada. Além disso, ela se queixou da falta de atenção por parte da Defesa Civil, já que o problema foi registrado no dia 12 de janeiro deste ano, e gerou preocupação por parte da moradora devido a necessidade de interditar o local.

– Tive que ir lá na Defesa Civil, que só lembra de vir aqui pra notificar e interditar o imóvel. Se não vou lá pedir pra interditar a calçada em frente a minha casa, haveria o risco de cair algum reboco da fachada e matar alguém que passasse pelo local. Essa interdição foi necessária até que eu conseguisse o especialista para fazer essa restauração.

Ela lembra que os problemas com a infraestrutura das casas da Rua João Pessoa começaram com a mudança de trânsito promovida no período em que as mudanças no trânsito foram realizadas. “Na ocasião, por coincidência, eu lembro que foi mudado o nome do bairro da minha rua para Vila Moderna. E depois o tráfego pesado veio para cá”, citou.

A moradora confirmou uma informação descoberta pelo jornal há poucos dias ao tentar localizar onde fica a Rua João Pessoa em Resende. Embora os CEPs dos Correios estejam com o nome correto do bairro (Centro), no site de busca Google o endereço é incluído dentro do bairro Vila Moderna.

Ela aproveitou para denunciar que mesmo com a assinatura do Termo de Ajuste e Conduta (TAC) celebrado pelo Ministério Público (MPRJ) junto com a Prefeitura de Resende em 21 de maio de 2019, as cláusulas não vêm sendo cumpridas, sendo que alguns caminhões e ônibus seguem passando pela via sem serem importunados. “Um dia desses chamei a atenção do motorista de um caminhão que transportava bebidas por estar passando aqui na rua. Ele chegou a me responder que precisava fazer o serviço e tinha pressa, por isso passou por aqui”.

O arquiteto urbanista Ruy Saldanha, amigo da família Abrão, vem acompanhando a luta dos familiares e vizinhos da João Pessoa, e explica a origem do problema ocorrido nos dois imóveis. “Trata-se de uma via muito antiga, pavimentada com paralelepípedos formando uma superfície com ressaltos, algo originário e característico deste tipo de pavimento. Estes impactos geram trepidações nem sempre absorvidas pelos pneus e suspensão dos veículos, produzindo vibrações ao veículo e ao solo”.

Saldanha reitera que em muitos desses imóveis, principalmente os mais antigos, devido ao tipo de construção, as ondas se propagam com mais intensidade. “Este evento provoca ondas de choque no solo que se propagam e colidem com as fundações das construções, que por sua vez transmitem estas vibrações as suas estruturas, causando rachaduras, deslocamentos de peças estruturais, rebocos e telhado ocasionando até o deslocamento de telhas”, completa.

Mesmo com a implantação de uma placa indicativa do limite de peso e capacidade de ocupação dos veículos, não há guardas trabalhando para fiscalizar o tráfego local

VEÍCULOS CIRCULAM LIVREMENTE PELO LOCAL
Segundo o processo nº 2016-00418389, do MPRJ, que gerou o Inquérito Civil nº 067/16, foi necessária a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o órgão jurídico e a Prefeitura de Resende, em 21 de maio de 2019, pelo promotor de justiça Fabiano Oliveira e pelo prefeito Diogo Balieiro, que prevê em sua primeira cláusula a proibição de veículos pesados, incluindo transporte público; a segunda determina que a prefeitura instale em 120 dias após a assinatura do documento a sinalização do trânsito na João Pessoa e informando à população sobre a restrição a veículos pesados; e na terceira cláusula o município tem que disponibilizar a atuação de um agente de trânsito nesse local, visando o cumprimento das determinações do TAC. Para cada cláusula desrespeitada, a Prefeitura poderá receber uma multa diária de R$ 500.

Na primeira cláusula, a única exceção fica para o caso de veículos pesados que prestem serviços essenciais, como coleta de lixo e manutenção do fornecimento de energia elétrica, água e esgoto, telefonia e internet, ou outros enquadrados nessa categoria.

Em 15 de setembro de 2020, a promotoria decidiu pelo arquivamento do caso, citando que a prefeitura teria cumprido com o determinado pelas cláusulas após a instalação de redutores de velocidade e a sinalização do local, inclusive com placa indicando o limite de peso e de capacidade de ocupação dos veículos. Além disso, acrescenta que não há “ferramentas técnicas para associar as rachaduras com o fluxo de veículos na rua”, o que determinaria o arquivamento por se tratar que o caso apenas abrangeria direitos individuais.

Em 18 de novembro, no entanto, a advogada Nilza Martinelli recorreu ao MPRJ, segundo o documento, demonstrando o “descumprimento do TAC firmado entre o Município de Resende e o MPRJ, mormente pela demonstração do tráfego de veículos pesados no local” e “a ausência de fiscalização municipal”.

No requerimento da advogada, publicado no dia 5 de novembro, ela pede a determinação da cobrança de multa diária. Segundo o documento, ainda que tenha cumprido o determinado na segunda cláusula do TAC, a prefeitura não deu cumprimento a primeira e terceira cláusulas, fazendo com que os veículos pesados voltassem a “trafegar pela rua a qualquer hora do dia ou da noite, sem qualquer inibição por parte dos agentes de trânsito responsáveis pela fiscalização”, e que as empresas de ônibus que prestam serviços de transporte de passageiros continuam normalmente trafegando com “seus veículos de fretamento”.

O jornal entrou em contato com a Prefeitura de Resende, que até o momento não se pronunciou sobre o assunto.

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