QUEM PENSA?

Quando tudo que se quer é uma boquinha!

Tenho nos últimos dias analisado com um pouco mais de atenção o que leva as pessoas (boa parte delas) a acreditar que uma falcatruazinha aqui outra ali não causa grandes prejuízos ao município, que uma ilegalidade para beneficiar amigos é perdoável, que é exagero exigir cumprimento das leis quando outras de âmbito estadual ou federal não são cumpridas, que não existe problema algum em nomear centenas de pessoas que nem precisam aparecer para trabalhar porque o que move o desenvolvimento local não é abalado por “deslizes” governamentais.

Encontrei esses dias uma pessoa pelas ruas de Resende e paramos para conversar e ali se foi mais de uma hora. Saí da conversa convencida que o que interessa às pessoas que bajulam o poder é mesmo conseguir uma boquinha. A pessoa me relatou alguns casos que demonstram o total desrespeito ao servidor público municipal e como pessoas que nem precisam do governo (seja na forma de contrato ou de uma “vaguinha”) se comportam na defesa da ilegalidade e na defesa da ação entre amigos, muito comum ainda na política nacional, principalmente das províncias. E Resende, infelizmente ainda não escapa dessa classificação. E pior, é uma província conservadora com poucos segmentos empreendedores e os que aqui chegam, com uma nova mentalidade, não se atrevem ir contra o sistema, afinal ainda tem gente que acredita na máxima: manda quem pode, obedece (ou se cala) quem tem juízo.

A ponderação que se exige das pessoas está longe da submissão que se vê com frequência nessas terras que foram chamadas de Campo Alegre que um dia pertenceu aos Puris e em outros tempos valorizou a área rural. Toda esta história praticamente apagada do presente resendense, dá lugar ao feito individual que merece projeção como se fosse uma verdade atemporal. Quanto engano. Também passará, como tudo passa. Resta saber quais as consequências que de fato transformarão a cidade e as pessoas, mas em minha análise solitária volto o pensamento aos que se sentem felizes com a boquinha na prefeitura, quando não para si, para alguém da família ou em alguns casos para ambos.

Li dia desses uma coluna de uma especialista em carreiras que tinha o seguinte título “A síndrome do trabalhador medíocre e relativamente feliz” e ao ler entendi, em parte, o que faz com que tantas pessoas se calem diante do que sabem estar errado e que têm a obrigação de reverter. É bem verdade, que a cultura do brasileiro, de não querer “interferir” naquilo que pode lhe dar trabalho ainda é muito presente, principalmente para questões coletivas como o dinheiro público e as ações governamentais e às vezes, o que é pior, defendem a omissão. Acredito que a reprodução de parte do artigo de Lucy Kellaway nos ajude a entender essa tal felicidade com quem prefere ficar numa zona de conforto tanto profissional quando política, entenda política, enquanto o trato das relações humanas em toda e qualquer situação.

Diz Kellaway: “Na semana passada, li uma pesquisa mostrando que os funcionários de pior desempenho sempre são os mais engajados. Isso é uma mudança radical em relação à percepção geral de que desempenho e engajamento andam de mãos dadas: os que se destacam mais deveriam ser motivados e entusiasmados, enquanto o resto deveria pertencer ao time dos descontentes e zangados.

(…) os inúteis não são informados disso, mas deixados a acreditar que são bons. O resultado é que os mais capazes se ressentem e se tornam cínicos, desmotivados e críticos (…) abandonam o barco na primeira chance.

(…) Para começar, os medíocres podem se sentir sortudos por terem um emprego, enquanto que os grandes talentos acham que todo emprego é uma decepção. Com expectativas menores, os menos talentosos não criticam e não supõem que são mais brilhantes que seus chefes. Também não ficam enfurecidos por não estarem recebendo novos desafios constantemente.

Os despreocupados são personalidade Tipo B. Um estudo recente mostra que as personalidades ambiciosas do Tipo A são mais bem-sucedidas, mas as do Tipo B são, no mínimo, mais felizes e vivem mais. Outro levantamento mostra que os que fazem o mínimo para conseguir os resultados desejados, estão mais contentes com seu trabalho do que os que se esforçam para fazer as coisas do melhor jeito possível e inevitavelmente ficam desapontados.

Sejam quais forem as razões da felicidade relativa dos poucos eficientes, sua existência em números tão expressivos nas empresas subverte dois dogmas da administração moderna. Em primeiro lugar, ela mostra que toda essa coisa de engajamento dos funcionários é besteira.

O engajamento de um funcionário de destaque tem muito valor se ele ficar por perto (e, frequentemente, não fica). Já o dos outros vale menos que nada, uma vez que você quer que eles sejam desmotivados a ponto de irem embora. Se os trabalhadores de desempenho fraco se sentem felizes, isso é bom para eles, mas não é um dos objetivos da empresa se isso não levá-los a trabalhar com mais afinco.

Se esses funcionários estão satisfeitos assim e os gestores nada fazem a respeito, então todos deveriam ser deixados à própria sorte. Os ambiciosos e os medíocres poderiam continuar sendo como são, um grande esforço administrativo seria poupado e todo mundo seria um pouco mais feliz”. Kellaway fala de empresas privadas, mas se aplica perfeitamente às administrações públicas.

Fico aqui com meus pensamentos indignados a descobrir motivações – quanta pretensão – que tirem da mediocridade aqueles que próximos aos governos deixam de entender o sentido maior da administração pública. Alguns nem mesmo conseguem distinguir governo de administração pública, acham que é tudo a mesma coisa, mas não é. O governo é provisório, às vezes demora e parece pesadelo, mas passa, já a Administração Pública é toda a estrutura existente para promover os serviços aos cidadãos e é aí que os servidores se incluem e o que fazem nessa Administração também, por isso, apesar de indignada sou sempre otimista e acredito no maior, na estrutura e não nos que se movem a partir dela para tirar proveito ou se omitirem diante das irregularidades e ilegalidades que fazem querer crer que não prejudicam a população.

Só este entendimento é motivo de providências urgentes por parte do cidadão-contribuinte-morador-vítima aos governos inescrupulosos que tentam cooptar, comprar a manifestação dos bons, não é isso que disse Luther King? Mais ou menos isso. Ele disse: “O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons”.

Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br

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