A luta continua, companheir@s!

Lembrando aqui que em 1984 estava eu, lá na Presidente Vargas caminhando sozinha, de verde e amarelo, para a Candelária. Os ônibus só chegavam até a Estação Leopoldina (naquele tempo funcionava e ninguém podia imaginar, nem de longe, o prédio abandonado que é hoje, mas isso é outra história), e dali todos tinham que caminhar uns seis quilômetros. Cada passo era combustível. Era esperança. Era amor ao Brasil.

Meus contemporâneos vão se emocionar, tenho certeza.

Na Candelária, cantei o Hino Nacional em meio a um milhão de pessoas e essa corrente não era só Rio de Janeiro. Estava em todo o país. Ainda me emociono hoje. Via ao longe, Brizola, Tancredo Neves, Fernando Henrique Cardoso, Ulisses Guimarães, Fafá de Bélem, muitos artistas e nosso tri presidente Lula e sua barba característica daquela época.A energia era de fazer as lágrimas brotarem. Só havia pensamento de liberdade, de direito, de igualdade. Um movimento cívico que ocupou as ruas. Tinha sorrisos, de olhos marejados, tinha força!

Foi o grande movimento das Diretas Já.

Dias depois, naquele mesmo mês de abril, em casa, ouvia pelo rádio num misto de esperança e certeza que não precisaria mais fazer aqueles trabalhos escolares de outrora sobre “os feitos dos governos militares”. Ainda que meu nome e identidade tenham seguido para o SNI, só porque resolvi cursar jornalismo, e provavelmente, devo ter sido considerada subversiva sem saber que o era. Mas sim, eu era. Era contra aquele regime que torturou, matou e fez desaparecer centenas de estudantes como eu. Que enganava o povo com o slogan “Quem não vive para servir ao Brasil, não serve para viver no Brasil”. Sim, definitivamente eu queria subverter esta ordem.

Mas voltando ao que ouvia no rádio: ouvia a votação no Congresso da Emenda Dante de Oliveira que daria direito ao povo brasileiro de ir as urnas e escolher seu presidente. Faltaram 22 votos. Sim, ironia do destino. Faltaram 22 votos para a emenda ser aprovada. Chorei novamente.

A luz no fim do túnel previa eleições indiretas. A luta, a militância, a esperança precisavam continuar. E em janeiro de 1985 chegou o dia em que o Colégio Eleitoral escolheria entre Tancredo Neves e Paulo Maluf, que agradava muito mais os militares, mas Tancredo ganhou. Ganhou, mas não levou porque morreu e José Sarney, seu vice, assumiu.

Este resgate histórico, que me incluo como personagem, é para lembrar que nasci na ditadura, minha adolescência e juventude estavam na ditadura ou resquícios dela. Em 1989, vou às urnas. No primeiro turno voto em Roberto Freire do PCB. Sim, comecei votando no partido comunista. No segundo turno, voto em LULA! E de lá pra cá, posso dizer que como nosso presidente sou também TRI. Tri satisfeita de estar do lado certo da história.

Minha família sempre foi muito simples. Nossa realidade sempre foi da classe trabalhadora desse país, meu pai sempre foi um homem trabalhador e de esquerda, ainda que naquele tempo essas definições não fossem rótulos, mas hoje vejo o quanto herdei da consciência política que sempre vi e ouvi do meu pai.

E agora, de olhos marejados outra vez, mais uma vez, e lembrando dele e lembrando de como me mostrou a importância de ser honesta, fraterna e respeitosa com os direitos dos outros, venho nesse textão dizer que meu pai faz muita falta neste plano físico, mas seu legado está aqui, mais presente do que nunca. Ele era brizolista, flamenguista, lanterneiro (dos melhores), era meu pai. José Carlos de Souza PRESENTE!

Comecei a escrever porque as notícias desde o último domingo sobre gente e suas práticas que relacionam conceitos contrários como “Brasil/quebra tudo”, “patriotas/vamos invadir” me dão certeza que a desconstrução que eles pretendem não é aquela que aprendi em casa, nem na minha formação acadêmica, tive Ivan Proença como professor, nem tão pouco na minha formação religiosa.

Esse desamor que hoje vemos com tanta virulência será aplacado. Porque o ódio para ser emanado ele precisa começar a destruir quem o emana. Bebem do próprio veneno. E não resistirão! E nem passarão incólumes à necessária responsabilidade da evolução espiritual. Sinto muito. A colheita é só um resultado, mas lembre-se é obrigatória!

Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO

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One thought on “A luta continua, companheir@s!

  1. Não li seu texto quando foi publicado, Ana. Li hoje, muitos dias depois. Mas ainda bem que li. Eu também estava lá na avenida Presidente Vargas naquela tarde emocionante e emocionada. Lembro do Milton cantando ‘Coração de Estudante’ e aquele coral gigantesco cantando junto. Seu texto me emocionou outra vez por aquele acontecimento. Obrigado.

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