Produtores dizem sofrer ameaças de representantes da Associação da Comunidade Terra Livre

Alguns produtores estão sendo retirados de suas terras por não pagarem advogado pra associação (Foto: Divulgação)

O acordo selado no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) entre os integrantes da Comunidade Terra Livre e representantes do Espólio da Família Klotz ganhou um novo capítulo. Enquanto ambas as partes tentam definir como será realizada a divisão das terras, do lado dos produtores há um racha no grupo. Alguns moradores que vivem dentro da comunidade desde o dia da criação do assentamento, em 6 de março de 1999, dizem não se sentirem representados pela Associação dos Produtores Rurais da Comunidade Terra Livre e não concordam com o desfecho da reunião realizada em 17 de fevereiro no MPRJ.

– Os representantes atuais da associação (que tem como presidente Mário Laurindo da Silva) estão ameaçando tirar as terras de quem não teve condições e não concordou em pagar a taxa do advogado contratado (o valor total para a associação ficou em R$ 90 mil, sendo que o valor das parcelas a serem pagas pelos associados variam entre R$ 500 e R$ 1 mil). Além disso, não convocam toda a comunidade pras reuniões nem fazem prestações de contas dos recursos recebidos e gastos. Há anos não realizam uma assembleia com a gente, e ainda nos ameaça usando de forma indevida o nome de autoridades como o promotor do caso (Fabiano Oliveira) – disse um produtor, que não quis se identificar.

Segundo ele, o estatuto original da associação previa eleições a cada dois anos, que já não acontecem há pelo menos cinco. “Eles mexeram no estatuto, não nos dá acesso ao novo estatuto e não fazem mais eleições na associação. Por isso não deveriam nem estar fazendo esse acordo com o Espólio, pois os antigos proprietários da fazenda (da Ponte) possuem muitas dívidas a pagar e por isso não podem vender as terras. Ou melhor, a dívida é tão grande que eles nem conseguirão vender do jeito que estão”.

O produtor cita que por anos, órgãos públicos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (Iterj), além do programa Banco da Terra, do Governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tentaram comprar as terras do Espólio sem sucesso devido a esse empecilho. Com isso, a justiça deu decisão favorável para a Comunidade Terra Livre continuar ocupando as terras da antiga Fazenda da Ponte devido às dívidas citadas, porém não houve a compra definitiva.

O mesmo produtor descreve que no dia em que houve a entrada dos veículos de segurança contratados pelo Espólio dentro das terras, denunciada pelos representantes da associação, os produtores foram convocados a defender a área da comunidade no dia 17 do mês passado, mesmo dia em que aconteceu a audiência do acordo no MPRJ.

– Não nos deram nenhuma satisfação do que for acordado na reunião do Ministério Público. Fizeram tudo isso enquanto fomos obrigados a perder um dia de trabalho para fazer a segurança das nossas terras, e no final de semana seguinte (sábado de Carnaval, dia 22), os representantes do Espólio estiveram nas terras para realizar a medição do local, e depois os integrantes da associação marcaram para o próximo final de semana para conversar com a gente, e depois desmarcaram o encontro com a comunidade. Isso tudo foi feito sem uma consulta prévia aos associados pra saber se estávamos de acordo com o que foi combinado. O que a associação quer fazer na verdade é fazer o acordo e depois distribuir a terra entre os produtores sendo que querem devolver ao Espólio a parte de cima dos morros (onde ficam os mananciais de água), alegando ter menos pessoas. O Espólio não pode reassumir a terra.

O grupo de produtores ameaçados pela presidência da associação aproveitaram a visita ao promotor de justiça do MPRJ de Resende, Fabiano Oliveira, na tarde desta quarta-feira, dia 4, mesmo dia da entrevista para o jornal BEIRA-RIO, para apresentar as acusações de abusos cometidos por parte dos líderes da associação. “Eles citaram o meu nome na lista de pessoas que estariam vendendo suas terras, não sei porque fizeram isso se eu nunca vendi nenhuma terra. Começaram a me perseguir depois que eu não concordei com a contratação do advogado pela associação. Eles na verdade entraram lá para extorquir dinheiro, começaram a me ameaçar e a me perseguir”, desabafou um deles.

O promotor orientou o grupo em relação ao que se trata a reunião entre associação e Espólio. “Pelo que eu estou vendo há uma divergência entre o grupo de vocês e a associação. Mas de qualquer forma, existe um inquérito civil em aberto que fala da questão das terras ocupadas pela Comunidade Terra Livre, que tem dois objetivos: tratar questões ambientais, entre elas a preservação de uma faixa a 100 metros das margens do rio e a ocupação da terra, que não pode ser feita de forma desordenada. Se tem associados e não associados, pra mim não interessa quem paga ou não. O que pretendemos é chegar a um acordo entre as partes, desde que haja consenso”.

Fabiano entende que o acordo que está sendo costurado desde a ata do dia 17, e que o mesmo não abrange apenas os integrantes que pagam a associação, como também todos os produtores que vivem na Comunidade Terra Livre há 21 anos (associados atuais não se enquadram no acordo).

O promotor ainda esclareceu ao grupo que a Polícia Civil já esta investigando possíveis crimes na localidade. “A Associação aponta vocês como responsáveis por vendas de terras, sendo que isso não pode ser feito por ninguém por ser ilegal. Quem fizer, vai responder por crime. Caso a investigação aponte vocês, os mesmos serão intimados para servem ouvidos, e assim chegar aos verdadeiros responsáveis. Só posso tomar uma posição em relação aos responsáveis pela venda ilegal das terras quando acabarem as investigações”, disse Fabiano, que estará visitando a região no próximo dia 9 para seguir acompanhando o caso, mas garantiu que o acordo ainda não será fechado no dia.

Atualmente, segundo os produtores, existe em torno de 90 a 100 famílias que vivem na Comunidade Terra Livre. Um número aproximadamente quatro vezes maior do que na época da ocupação inicial das terras, quando havia apenas 26 famílias.

Você pode gostar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O limite de tempo está esgotado. Recarregue CAPTCHA.