Quatro dias

Foram dias e mais dias de calor. O matuto olhando para o céu e dizendo a verdade sobre o tempo de estiagem. Na face da terra o sol era tanto que pesava como pesam quantidades de chumbo usadas em balanças de dois pratos. Bastava abrir uma torneira no tanque, do lado de fora da casa, para que os pássaros se amontoassem em volta sem receio dos humanos ou dos cachorros. Certos desesperos, como o provocado pela sede, deve gerar outra perspectiva sobre a própria vida. Em dias assim qualquer hora era meio dia de relógio. E para quase tudo se pensava, ainda que silenciosamente, na possibilidade de ser adiado.

E se você colocasse os olhos no mato perceberia que até mesmo o forte capim ia se fechando; as folhas se dobrando sobre si mesmas, formando braços finos, pontiagudos como espinho. Sob um sol de deserto todas as plantas adquiriam um aspecto – ou uma defesa – cactácea! E até os cachorros, por mais dóceis que fossem, rosnavam de reprovação ao serem chamados.

Então quando ninguém aguentava mais, choveu no miolo da madrugada. Motivo pelo qual o mundo acordou meia hora mais tarde. No entanto, não pensemos que a natureza é bondosa. A natureza é a natureza. Bondoso ou não somos nós. Mas hoje não vamos falar de nós.

A chuva trouxe as andorinhas e entusiasmou os pés de tomate. Acendeu todos os verdes e apagou a poeira. Deu folga a cigarra para que descansasse até o fim da tarde. E fez a rua ficar calma, vazia da corriola de quem ia as pressas procurar um mergulho que aliviasse o calor.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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