Precisamos conversar

Precisamos conversar sobre a crescente população de crianças hiperativas em função do crescimento proporcional de seus fabulosos pais hiperpassivos.

Hoje foi um daqueles dias em que, atônita e boquiaberta, assisti a uma cena bizarra. Quase em frente ao meu local de trabalho funciona uma lanchonete. Encostada ao balcão a mãe protegia de uma possível queda seu filho pequeno que ocupava um banco da tal lanchonete. O pequeno, por volta de dois anos de idade, alcançava os guardanapos, examinava e os rasgava, picotando demoradamente, enquanto a mãe, monocórdia, repetia: “…não pode fazer isso. Guardanapo não é brinquedo. ” Ela apenas dizia, mas nada fazia para deter o estrago. De repente, o garoto parou de rasgar e ficou segurando um pedaço grande em suas mãozinhas. Nesse momento a mãe o desceu do banco e disse: ” vamos jogar fora no lixo esse pedaço que está na sua mão. “ Entretanto, em volta do banco, dava para ver que mais da metade da quantidade de guardanapos que estava disposta aos clientes no balcão agora estava no chão, destruído e inútil para qualquer outra coisa. A atendente disfarçou e desviou do meu olhar. Ela não se sentiu forte o suficiente para impedir a depredação do patrimônio da lanchonete pela criança com anuência da mãe relapsa.

Observo pais que nos mostram uma total falta de energia para disciplinar crianças, para impor uma autoridade mais do que necessária, para se fazer respeitados. Pais que preferem obedecer aos pequenos tiranos que criam dentro de seus lares, pois acreditam que terão mais paz e sossego em suas parcas horas de lazer. Com isso, perdem a mão e se expõem como fracasso na arte de educar e criar filhos educados e preparados para uma sociedade civilizada. Pais que entregam celulares nas mãos dos filhos, pois acreditam que terão sossego, que deixam correr e atrapalhar o ir e vir das pessoas, as refeições alheias, o descanso e o lazer de todos. Pais que não tem tempo e nem querem ter. Não educam e não permitem que a escola ou outras pessoas façam aquilo que é de sua responsabilidade: ocupar-se de limitar a ação de seus pequenos déspotas.

Rousseau quando escreveu seu romance pedagógico “Emílio”, em que partia do pressuposto de que o homem nascia bom e a sociedade o corrompia, imaginou uma pedagogia voltada e centrada na criança, não mais a reconhecendo como adulto e valorizando sua essência, sua liberdade em prol da felicidade de sua infância. Pobre Rousseau! O que ele não sabia é que a criança ia ser tratada como adulto outra vez, sendo delegada a ela o direito de mandar nos adultos, falar com eles de igual para igual, gritar, bater e espernear, sem serem repreendidos, como se fosse uma atitude normal e esperada. Que a criança teria voz ativa e em torno dela, tida como príncipe ou princesa, valorizando seu reinado um séquito de devotos e obedientes, adultos subservientes ao seu dispor.

Hoje sabemos que a teoria do naturalismo defendida pelo filósofo francês é ultrapassada, mas ele tinha lá suas razões e, se vivo fosse, estaria em cólicas contemplando esse retrocesso em uma civilização que se pensa tão avançada e inteligente.

Ângela Alhanati
contato@angelaalhanati.com.br
Livre pensadora exercendo seu direito à reflexão

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One thought on “Precisamos conversar

  1. Pois é e o pior é que parece não haver nada a fazer , parece ser uma nova ” corrente de educação” , seguida pela maioria dos pais destas novas gerações !!! Lamentável e mal sabem eles que esta má educação se voltará para eles ! Beijos

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