Esse pardal

Estou desconfiado de que esse pardal que acaba de entrar na minha casa seja sempre o mesmo. Agora que cheguei a essa conclusão, entendo as situações em que havia mais de um: era ele quem trazia visitas. E demonstrava empolgação ao exibir cada um dos cômodos. Apontava para as janelas grandes, abertas e bem iluminadas. Exaltava a fartura de migalhas de pão sobre a mesa. Mas, principalmente, batia as asas assinalando o gostoso silêncio morno da tarde.

Esse pardal conhece minha casa e meus hábitos. Por isso não se apavora mais quando me levanto da cadeira. Pela hora do dia, pela temperatura do ar ele sabe qual das janelas está escancarada. Pela direção do vento sabe bem se deixei a porta da sala fechada. Pelo tipo de trabalho que faço entende que não o vigio e que assim é seguro se distrair pelo chão.

As amizades que fazemos, por vezes surpreendem. Esse pardal me conhece de uma forma tão cúmplice que chega a me ensinar sobre mim mesmo. Ele sabe que no meio da tarde eu faço um café e por isso vem. Às vezes pousa no para peito da janela e parece cansado. É quando eu sento no chão e bebo o café com esquecimento, pensando na felicidade. Outras vezes ele vem e vai voando de uma porta a outra. E eu bebo o café de pé, sem me mover.

É claro que também já nos assustamos. Um dia entrei correndo no banheiro e me deparei com o pardal que se banhava nas gotas que caíam na pia através da torneira mal fechada. Ficamos os dois devassados. Ele saiu voejando aos trancos pela sala e até esquecera que naquele dia quente o basculante estava aberto.

Por sorte no dia seguinte voltou. Não sei se esquecera do ontem, mas certamente acreditava contente no hoje, e isso era o que mais nos importava.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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