Meritocracia como dissimulação do real

Tem crescido no Brasil a mentalidade da meritocracia e empreendedorismo que em síntese significa que o sucesso e o fracasso no mundo do trabalho dependem, exclusivamente, da pessoa. Nessa perspectiva não há crise, falta de recursos ou condições de acesso à informação, formação e oportunidades. Tudo depende da visão; rede de contatos; “chave” e outras palavras que são repetidas como uma espécie de mantra pelos “coaches” que vendem os passos para o sucesso.

O universo da meritocracia e o mito do empreendedorismo começam a ruir mediante a uma análise mais detalhada da realidade e das condições de trabalho. Pela lógica do próprio sistema capitalista não há oportunidades para todas as pessoas. O sistema sobrevive do “exército reserva” – número de pessoas desempregadas que permite a lei da oferta e da procura se efetivar. Em suma, quanto mais pessoas procurando emprego mais as condições de trabalho podem ser precarizadas, pois sempre vai haver alguém se sujeitando a trabalhar pelo que é oferecido.

Outra questão sobre o empreendedorismo e dos coaches que fazem sucesso na internet é que a maioria não ficou rico utilizando os passos vendidos para o sucesso. A maioria dos coaches ficaram ricos vendendo cursos de como ficar rico. Entendeu? Muitas dessas pessoas tinham condições privilegiadas e uma boa formação, o que lhes permitiu, por exemplo, investir em tecnologia, propaganda e difusão de seu trabalho – até por que engajamento na internet custa dinheiro.

Qual é o problema dessa mentalidade? Um deles é a culpabilização do indivíduo pelo seu próprio fracasso. Nessa dinâmica nada (ao entorno) é levado em conta. Os problemas estruturais; a falta de informação; a falta de formação escolar básica; as falhas do sistema nada disso é levado em conta. A pessoa que teve acesso a uma boa educação e usufruiu de uma condição boa é colocada em igualdade de condições com quem nasceu numa favela e teve acesso restrito às oportunidades. Os coaches vão dizer: tudo depende da visão! Não existe crise!

Imagine uma pessoa que teve pouca instrução; teve que parar de estudar para ajudar nas despesas familiares; está desempregada; não tem acesso à tecnologia e informações. Essa pessoa é incentivada a começar a “empreender” e com poucos recursos se lança no desafio. Por uma série de motivos fracassa na empreitada. Além de lidar com uma série de frustrações tem que ouvir que a culpa pelo fracasso é de sua falta de visão.

A verdade é que somente com uma presença forte do Estado na economia é capaz de sanar a crise. Somente garantindo a dignidade dos trabalhadores é que se pode melhorar as condições de vida. Apenas com uma educação crítica e de qualidade se combate as falácias do sistema. Não existe sucesso que não venha acompanhado, minimamente, de condições básicas estruturais.

Por isso a insistência em modelos de governo e gestões que privilegiem a ação responsável sobre a vida das pessoas é tão importante. O que gera emprego é o incentivo do governo; são condições mínimas de trabalho; a produtividade; a capacitação e boa formação.

Somente pela conscientização da classe trabalhadora; pelo fomento da melhoria de condições e de um Estado dirigido aos interesses da população superará essa crise.

Luis Carvalho – filósofo

Fonte da ilustração: https://pensando-alem-2014.blogspot.com/2017/12/meritocracia-legitimacao-etica-da.html

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