Pardais e humanos

Com o bico os pardais arrancam as hastes de capim. Mas antes eles sentam na areia saracoteando as asas. Devem sentir enorme prazer com isso, pois me parece que sorriem de um canto a outro do bico. Amanhã os pardais acordarão para fazer as mesmas coisas, com ligeira variação.

Que diferença! Nós humanos sequer podemos prever as coisas do dia de amanhã. Há um jeito pardal de ser. E eu tenho enorme dúvida se há um jeito humano de ser. O pardal sabe tudo o que tem que fazer. E o que ele não sabe a natureza avisa, ou melhor, manda com rigor. Com os seres humanos ninguém avisa nada.

Os pardais aqui do meu bairro a cada semestre perdem uma árvore devido a uma construção. Os pardais não sabem o que fazer e por isso vão morrendo mais a cada semestre. Os seres humanos, os do meu e também de outros bairros, não morrem assim como os pardais. Eles vivem no Ártico, no Saara, no Himalaia, em micro ilhas no meio do oceano, eles até mesmo sobrevivem. Os seres humanos, meus irmãos, não vêm com manual de instrução. Nada sabemos sobre eles. Observá-los significa ter de observá-los sempre porque sempre mudam sua maneira de serem humanos.

Amanhã, com o bico os pardais arrancarão as hastes de capim. Mas antes se sentarão na areia saracoteando as asas. Sim, farão do mesmo jeito, com ligeira variação. Ainda assim, não obstante sua repetição quase precisa, serão belos e encantadores.

Entretanto, se a surpresa do expectador desejar arrombar os limites da estética, sugiro observar os seres humanos. Eles são surpreendentes e além de tudo são os únicos capazes de nos apresentar uma questão tão urgente: afinal, o que e como devemos fazer?

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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