Ainda vivendo dias da minha maravilhosa infância

Ainda vivendo dias da minha maravilhosa infância aportei em uma praia para ali viver os melhores anos da minha vida, me construir com experiências que me alimentam as melhores lembranças e constituir as ricas amizades que me acompanham até hoje.

Fui criada sem os limites de muros que circundavam quintais. Os limites à minha disposição eram a Mata Atlântica e um marzão besta que exibia seu esplendor despudoradamente a cada contemplamento embevecido que lhe prestava. O dia se iniciava com o sol tímido, mas firme, ganhando as ruas aos poucos e nos chamando para a vida que se descortinava aos nossos olhos e encantamento. Ao fim do dia esse mesmo sol baixava aos poucos e a impressão que tínhamos era que ele se escondia nas águas do oceano esperando a hora de brilhar outra vez. As brisas marinhas ditavam o tempo e se encrespavam as águas, sabíamos exatamente o que iria acontecer.

Em noites claras de lua farta e céu bordado de estrelas saiamos em bandos para caçar tatuís ou pescar na beira do mar, cercados por adultos e histórias. Também brincávamos nas ruas quase desertas, iluminadas e seguras. Em épocas de chuvas, e eram dias e dias sem intervalo, a solidão reinava e o silêncio era companheiro de todos e não privilégio de alguns.

Também cresci sem saber que existia maldade no mundo. Nesse lugar era comum o anoitecer com casas de portas destrancadas e janelas abertas, carros com vidros baixos, bicicletas jogadas nas calçadas, brinquedos nas ruas. Ao amanhecer tudo se encontrava exatamente igual.

Todos os adultos se sentiam responsáveis e ajudavam a educar todas as crianças e não somente os pais, a exemplo de algumas tribos ou na mais ampla concepção e aceitação do provérbio africano que nos diz:” É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Qualquer adulto que estivesse por perto apartava a briga, ralhava com autoridade, mandava cada um de volta para sua casa, perguntava se estávamos matando aula ou se já havia terminado o turno escolar, denunciava o mal feito sem que os pais achassem que era uma invasão na forma “perfeita” eleita por eles para criar seus filhos; coisa contrária que me deparo horrorizada nos dias de hoje.

Portanto, fui criada como índio, respeitando os mais velhos, respeitando a propriedade do outro admirando a lua, as estrelas, o sol, a mata, o mar. Em oca alheia não se adentra, aquele que dividiu os anos comigo é meu irmão e a bondade reina no mundo.

Abrir mão de tudo isso foi doloroso e, confesso, abriu chagas indeléveis na minha alma e no meu coração.

Ângela Alhanati
contato@angelaalhanati.com.br
Livre pensadora exercendo seu direito à reflexão

Você pode gostar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O limite de tempo está esgotado. Recarregue CAPTCHA.