Pior que a morte

Joana sabe: faz dois anos que Carlos se foi. Eram casados e iam bem dentro da relação. Havia sim uma briga e outra às vezes. Mas em qual relacionamento não há? Ele se foi. Mas a ausência não significa morte. É coisa bem pior. Ele se foi indo; deixando-a para trás sem palavra, apenas com os lenços que ela até pouco tempo usava para enxugar as lágrimas e assoar o nariz que desde então ganhou uma cor vermelha de pimentão maduro.

E ela não parava de pensar que Carlos estava vivo. Foi embora e não disse por quê. O padeiro diz ter visto alguém passando rápido e cabisbaixo pelas quatro da manhã. O jornaleiro viu alguém no ponto um pouco depois. Dois anos após Joana pondera que tivesse sido melhor se Carlos houvesse morrido. Um acidente de trânsito a deixaria hoje mais satisfeita.

Carlos sequer levou suas coisas. Foi com a roupa do corpo. Deixou os chinelos no meio da sala pra ela reclamar e não levantou a tampa da privada. Nem a escova de dente ele pôs no bolso, nem a conta de luz ele levou pra pagar. Simplesmente saiu como se jamais tivesse vivido ali um dia sequer.

Quando as pessoas perguntam, e perguntavam sem consideração a sua dor, ela sente vontade de dizer que Carlos fora comido pelos índios; transformado em sapo por uma rainha má; que fora atrás do pote de ouro no fim do arco-íris e que já-já voltaria.

Isso porque dizer que ele já fora tarde, o ordinário, ela não conseguia. Dois anos. Joana sabia que Carlos estava vivo e que jamais voltaria. E isso era uma coisa bem pior que a morte.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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