Uma pesquisa desenvolvida no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG-Unirio), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), trouxe respostas importantes sobre a relação entre espiritualidade e saúde mental em situações de estresse extremo. Realizado entre 2020 e 2021, durante a pandemia de Covid-19, o estudo apontou que o bem-estar espiritual e a fé pessoal foram os principais fatores de proteção contra a ansiedade vivida por profissionais da saúde. Embora tenha sido conduzida em um contexto específico, a pesquisa apresenta resultados replicáveis e aplicáveis a diferentes cenários de crise emocional, como luto, traumas e outros desafios cotidianos.
Responsável pela condução do estudo, o cardiologista e professor Julio Tolentino destaca que a motivação foi compreender os mecanismos capazes de fortalecer emocionalmente os trabalhadores da saúde diante de um cenário de vulnerabilidade sem precedentes. “O bem-estar espiritual foi o fator mais importante na proteção contra a ansiedade, independente de ela ser crônica ou aguda”, afirma o pesquisador.
A pesquisa, de caráter quantitativo, avaliou uma amostra representativa de profissionais de saúde do próprio HUGG. Foram analisadas variáveis como idade, sexo, escolaridade e religiosidade, além de fatores emocionais e espirituais, com o objetivo de identificar os elementos que mais influenciavam os níveis de ansiedade. Entre os resultados, um dado chamou a atenção da comunidade científica: embora a percepção de paz interior fosse um fator protetivo importante, ela não foi suficiente diante de situações de maior gravidade emocional. “Quando a crise é muito intensa, só a paz interior não dá conta. Foi fundamental a presença da fé pessoal, seja ela religiosa ou não, como uma fonte de confiança em algo superior”, explica Julio.
O conceito de bem-estar espiritual, adotado no estudo, vai além da religiosidade formal. Ele inclui dimensões como sentido de vida, propósito, transcendência, conexão consigo mesmo, com outras pessoas ou com aquilo que é considerado sagrado. A interação entre as dimensões física, emocional, social e espiritual também foi um dos pilares da análise. “Essas dimensões estão interligadas o tempo todo. Nosso estudo mostra que, ao fortalecer a dimensão espiritual, conseguimos um impacto direto na redução da ansiedade”, reforça o pesquisador.
Os dados revelaram que, antes mesmo da pandemia, cerca de 61% dos profissionais de saúde avaliados já apresentavam sintomas de ansiedade, um número compatível com a realidade nacional, que coloca o Brasil como líder mundial em prevalência de transtornos ansiosos. Durante a crise sanitária, os índices aumentaram ainda mais, evidenciando a urgência de estratégias de proteção emocional.
Além de fortalecer o enfrentamento psicológico, a fé demonstrou efeitos fisiológicos. Segundo Julio, ela atua em áreas cerebrais relacionadas ao medo, diminui a sensação de desamparo, aumenta a esperança e ajuda a construir sentido diante do sofrimento. “A fé funciona como um antídoto contra o desespero, promovendo maior regulação emocional e controle das respostas ao estresse”, destaca.
A realização da pesquisa enfrentou desafios comuns à ciência brasileira, como a escassez de recursos para financiamento. “A falta de fomento é um problema real, mas ela nos obriga a ser mais criativos. O trabalho de excelência é aquele feito com as condições disponíveis, sempre buscando o melhor resultado possível”, ressalta o pesquisador.
O ambiente universitário teve papel fundamental para a realização do estudo. Além de oferecer estrutura e conexão com os estudantes, o HUGG reafirma sua missão de produzir ciência com impacto social. “A universidade é o espaço onde geramos perguntas e buscamos respostas. Ela forma novos pesquisadores e conecta a produção de conhecimento com a transformação social”, conclui Julio.
O Hospital Universitário Gaffrée e Guinle faz parte da Rede Ebserh desde 2015. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 45 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Fonte: HUGG-Unirio/Ebserh