Há uma e outra mãe

Há uma mãe com o filho no colo. Sussurra cantiga de ninar e se queixa em silêncio das costas que rangem. Mas não desiste. Permanece, e se satisfaz com o suspirar profundo da criança que, enfim, dorme. Há outra mãe que parece música: é mãe solteira, trabalha de empacotadeira e dia algum se esquece de fazer a mamadeira da criança.

Há uma mãe que tem marido. Mas ele trabalha demais. São os gastos e depois a crise. O quilo do acém está um absurdo e ontem mais três bombas foram lançadas em território Sírio, ele afirma quando chega tarde e cansado. Há outra mãe em dúvida: deve ou não vacinar seu filho? Mas sua dúvida não se refere a H1N1. Quer vaciná-lo contra tudo que meramente lhe possa fazer mal. Fica pensando e encontra um mundo inteiro de coisas.

Há uma mãe escolhendo as melhores verduras. Observa-lhes a cor, o brilho o frescor. Pensa na receita. Ela mesma detesta verduras. Mas vai comer uma folha porque agora é mãe. Outra mãe há também e essa mora longe. Para lá de uma fronteira imaginária desenhada pela linha invisível de um município – é que para ela o outro município onde vive o filho é do outro lado do mundo!

Há uma e outra mãe. E o mundo é todo seu filho. Não importa sua idade, sua cor, sua profissão. Há uma mãe na partida; outra na chegada. Uma no início; outra no fim. E pode não haver mais nada algum dia! Mas enquanto houver, haverá uma e outra mãe.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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