“É só promessa, e não muda nada!”

Linha 275, que faz o trajeto até o Paraíso, é um dos trajetos mais movimentados de Resende

Empresa responsável pela concessão do transporte público em Resende há mais de 20 anos, a São Miguel sempre foi alvo de críticas por parte dos usuários, como a fala de uma usuária que deu título a essa matéria. As reclamações se agravaram nos últimos anos e motivou inclusive a criação de grupos nas redes sociais como o Arrastão Fora São Miguel, que vem denunciando a precariedade dos coletivos, entre eles a quebra dos veículos no meio do caminho, elevadores para acesso de cadeirantes aos ônibus que não funcionam, lotação em determinados horários, e atrasos no cumprimento dos horários dos itinerários.

A equipe do jornal BEIRA-RIO viajou na manhã desta quarta-feira, dia 15, em três dos veículos que fazem o transporte diário de passageiros (linha 125 – Jardim Primavera x Cooperativa; linha 275 – Paraíso – Cidade Alegria; e linha 145 – Rodoviária x Fazenda da Barra), verificando problemas estruturais nos carros, e entrevistou alguns passageiros, antes e durante o embarque destes, para entender a realidade pela qual passam diariamente.

Ônibus da Barra III costuma registrar lotação em horários de pico

O primeiro problema observado foi o atraso da Linha 125, no momento em que a secretária Zenilda Abreu Castilho, moradora da Vila Moderna e usuária das linhas há 10 anos, era entrevistada. Ela disse que não estava informada sobre os horários do itinerário, sendo que o jornal flagrou a falta de avisos espalhados pelo terminal rodoviário. Um antigo painel eletrônico que mostrava esses horários (colocado na gestão de José Rechuan) se encontra desativado. A usuária, no entanto, embarcou em um ônibus da linha 175, com destino ao bairro Casa da Lua.

O veículo da linha 125 demorou cerca de 20 minutos para chegar (deveria chegar 9h30, mas chegou faltando poucos minutos para às 10 horas). Dentro do veículo, a desempregada Ariane Fidélis, que retornava para casa, na Morada do Contorno, após a realização de exames médicos, falou sobre o drama passado por pessoas deficientes ou com alguma necessidade temporária que usam cadeira de rodas.

– Quando o carro tem algum problema com o elevador e os motoristas sabem disso, às vezes nem param no ponto para o passageiro que depende do elevador, e vão embora – conta.

Outro problema relatado por Ariane é o problema enfrentado em dias úteis pelos ônibus, especialmente nos horários de chegada e saída de estudantes e funcionários que trabalham em algumas empresas, e que dependem desses coletivos para se locomoverem. Isso foi percebido, em menor escala, no segundo coletivo em que a equipe do jornal viajou, uma vez que no horário (por volta das 11h15) alguns estudantes do turno da manhã estão retornando para casa. E também na linha 145, que transportava estudantes da Barra III para as escolas no Centro e outros bairros localizados do outro lado de Resende.

No momento em que a reportagem estava para embarcar na linha 275, já no Acesso Oeste, próximo a um mercado atacadista, duas passageiras que aguardavam o ônibus para os bairros da região do Manejo também falaram dos problemas que chegaram a enfrentar durante o uso dos coletivos.

Ana Isla (de pé) e Natália (à direita) já passaram sufoco com os ônibus que quebraram no meio do trajeto

– Na semana passada, tive que sair pra fazer exames, e um dos ônibus que eu peguei acabou quebrando no meio do caminho, quando estava no Jardim Primavera. Aí eu precisei esperar outro carro, que demorou muito pra chegar – relatou a ajudante de restaurante Natália da Silva Dias.

Ela e outra passageira, a desempregada Ana Isla Silva Pereira, embarcaram na mesma linha. Dentro do coletivo, Isla também citou que em algumas oportunidades precisou visitar a mãe, que vive na Fazenda da Barra III, e que fazer o trajeto “de lá (Barra) pra cá (Acesso Oeste) é horrível”, por precisar de pegar mais de um ônibus. Ela disse que em uma das oportunidades um dos ônibus precisou fazer um diferente trajeto por causa de outro veículo quebrar.

– Tem quebra, demora pra chegar, e tem muito deficiente que não consegue pegar os ônibus porque ou o elevador não funciona, já aconteceu muitas vezes do motorista e até de passageiros para colocar alguns deficientes no carro. Deveria ter mais carros para melhor garantir a acessibilidade deles, até deveria em alguns casos ônibus específicos para o acesso – defende.

Suelen criticou tratamento de alguns motoristas a passageiros que utilizam os coletivos

Diferente do ocorrido com o coletivo do Primavera, o da linha que faz o trajeto até a Fazenda da Barra III foi mais pontual (a equipe do jornal chegou entre 11h30 e 11h50, intervalo entre a chegada dos ônibus, informada por uma passageira que aguardava outro coletivo).

A dona de casa Suelen de Almeida Gouveia de Jesus, que mora no Centro, aguardava o ônibus para o bairro Surubi, e reclama da demora do veículo para chegar ao ponto e do tratamento de alguns motoristas. “Alguns são ignorantes, mas outros são educados e te cumprimentam, sem contar que há muita falta de respeito aos deficientes que precisam de ajuda pra subir no ônibus”.

O terceiro embarque aconteceu com a chegada da linha 145, e a equipe teve a oportunidade de entrevistar a doméstica Maria Isabel dos Santos Jesus. Moradora da Cidade Alegria, ela aproveitou a folga no serviço nesta quarta-feira para visitar a filha, que mora na Fazenda da Barra III. Um dos poucos momentos em que precisa usar o transporte coletivo.

Maria Isabel, sobre demora na chegada dos ônibus: “optei por ir ao trabalho de bicicleta”

– Realmente pra trabalhar está difícil, pois o ônibus nunca está no horário, ou faltam ônibus naquele horário. É um sacrifício a gente ficar esperando um ônibus o tempo todo. Eu optei por ir para o trabalho de bicicleta, porque não dá. Quando eu saía do trabalho era por volta das 17h, mas por causa do ônibus eu sempre chegava duas horas mais tarde em casa – relembra a doméstica, que trabalha em uma casa de família no Condomínio Alphaville.

As únicas exceções, segundo Isabel, é quando chove ou tem que viajar até a Barra III. “Quando chove eu tenho de vir de ônibus, tem que ficar no ponto e me sacrificar. Também quando venho pra visitar minha filha, também não tem como arriscar andar de bicicleta no trânsito da Via Dutra. Essa empresa está deixando muito a desejar, é só promessa e não muda nada!”, completa Isabel, citando que a própria filha também sofre quando precisa usar o transporte coletivo.

Única opção informativa sobre itinerário para passageiros no terminal rodoviário, painel eletrônico inaugurado na gestão de Rechuan segue sem função

CARROS BATEM O FUNDO NO QUEBRA-MOLAS
Além das entrevistas com os usuários das três linhas utilizadas pela reportagem, o jornal também constatou sinais de precariedade dos carros que fazem diariamente o transporte dos passageiros. Além da sujeira e das danificações na lataria dos ônibus, nas linhas 125 e 145, é mais perceptível a falta de manutenção dos veículos.

Isso porque a estrutura dos ônibus sempre bate nos quebra-molas espalhados pela cidade, sem contar que os carros vivem chacoalhando e fazendo barulho a viagem toda. Esse problema foi observado especialmente na linha que faz o trajeto até a Fazenda da Barra III, e também durante a entrevista com Ariane, na linha 125, e com Maria Isabel, na linha 145. Mesmo na linha 275, que também apresenta problemas, era quase impossível ouvir Ana Isla falar.

Em ambos os carros, pelo lado de fora é possível ver que os mesmos estão tombando para um dos lados: o 125 tomba para o lado esquerdo e o 145 pelo direito, e quase esbarra no chão. Apesar de ser mais antigo, o carro da linha 275 é o que aparentemente está mais conservado em relação à lataria. Além disso, apenas na linha 145, em algumas das janelas podia-se ver afixados dois informativos, o do itinerante a ser percorrido pelo ônibus e o que cita os grupos beneficiados pela gratuidade nos transportes coletivos.

Noel de Carvalho: “Isso tem sido muito cruel com o contribuinte que está pagando e não está recebendo o serviço adequado” (Foto: Divulgação)

Já ciente das reclamações que vem ocorrendo, o deputado estadual Noel de Carvalho (Solidariedade), morador de Resende, fez um pedido de informações à Prefeitura de Resende para entender como está o processo de concessão e o que tem sido feito para reduzir os problemas que a população tem enfrentado com o transporte coletivo.

– O poder concedente que é a prefeitura precisa dar informações à população sobre o que está acontecendo com o transporte na cidade. Recebo diariamente no nosso gabinete avançado de Resende reclamações da população que depende dos ônibus para sua rotina de trabalho e estudo. Isso tem sido muito cruel com o contribuinte que está pagando e não está recebendo o serviço adequado. Espero que o prefeito responda o ofício que enviamos e desde já me coloco à disposição para colaborar no que for necessário.

Noel encaminhou no começo do mês um ofício ao superintendente de Transporte e Trânsito de Resende, se colocando a disposição para solucionar problemas do transporte público

“NOVELA DA LICITAÇÃO”
Os problemas encontrados nos ônibus fazem parte de mais um capítulo da novela da licitação do transporte público em Resende. Inicialmente, a São Miguel tinha contrato válido com Resende até o ano de 2020. Em janeiro daquele ano, a prefeitura anunciou que haveria uma audiência pública antes da realização da nova licitação do transporte público no município, realizada no dia 12 de fevereiro, no Espaço Z.

Durante o evento, que ficou marcado pela ausência do prefeito Diogo Balieiro, a empresa também foi bastante criticada, especialmente pelo atendimento precário aos passageiros, com ônibus velhos, quebrados ou apresentando defeitos, e pela falta de uma linha de ônibus que ligue Resende a localidade rural do Sertãozinho. Na ocasião, o contrato de licitação, assinado entre a São Miguel e a Prefeitura de Resende, se encerraria em setembro de 2020.

No entanto, a pandemia da Covid-19 complicou ainda mais as coisas. Ainda na época em que o isolamento social era a única opção de prevenção ao contágio, em maio de 2020, a prefeitura não adiou a licitação e a marcou para ser realizada em julho. Porém, a mesma acabou suspensa pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ). Em sua decisão, o conselheiro-substituto determinou na ocasião que o Poder Executivo suspendesse e fizesse o adiamento do processo licitatório até que sejam feitas 12 alterações no edital, entre elas “fazer correções específicas, uma vez que não há razão relevante para a adoção da ‘melhor técnica’ como um dos critérios de definição da licitação”, entre outras observações.

Após a suspensão, a concessionária se aproveitou do momento para acionar o Poder Executivo na justiça, pedindo que a Prefeitura “não encerre o contrato de concessão, e autorize a continuidade da prestação do serviço público de transporte de passageiros pela concessionária autora, suspendendo-se a Concorrência Pública de nº. 001/2020”, segundo o processo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

A suspensão da concorrência pública para a escolha da concessionária que prestará o serviço para Resende nos próximos 20 anos foi negada, em decisão publicada em novembro de 2020. Mas o pedido de prorrogação do prazo da concessão por mais seis meses foi aceito pelo juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Resende, Marvin Ramos Rodrigues Moreira, que concedeu uma tutela provisória a empresa.

No ano seguinte, insatisfeitos com a continuidade dos serviços precários por parte da concessionária, três usuárias da São Miguel criaram o grupo Arrastão Fora São Miguel nas redes sociais, canal utilizado para que outras pessoas possam mandar fotos ou vídeos mostrando os problemas encontrados dentro dos coletivos.

Para vereador, gratuidade para estudantes e idosos vem desequilibrando o caixa da empresa (Foto: Reprodução/TV Câmara)

VEREADOR PEDE SUBSÍDIO PRA COMPENSAR GRATUIDADE
Quase dois anos após a suspensão da licitação, em sessão realizada na última terça-feira, o presidente da Câmara de Resende, o vereador Reginaldo Engenheiro Passos (Podemos) fez uma indicação (nº 3823/2022) pedindo que a Prefeitura ofereça subsídios a concessionária, para compensar a gratuidade de estudantes e idosos. No documento, o vereador solicita que haja por parte da Prefeitura um estudo de viabilidade, no sentido de subsidiar o transporte público em casos específicos.

Em sua justificativa, o presidente do Legislativo cita que “a empresa São Miguel está prestando um serviço em discordância com o que a população merece” e que “as passagens de estudantes e idosos do município que não são reembolsadas de forma alguma para a empresa, está desequilibrando o seu caixa, gerando demissões, falta de cumprimento de direitos trabalhistas, isenção de manutenção e investimento na frota”.

A proposta do vereador, ainda na justificativa, é que a prefeitura “subsidie essas passagens, para que a empresa possa ter fôlego financeiro e melhore a prestação de serviços como um todo”.

A redação do BEIRA-RIO entrou em contato com a Prefeitura de Resende para falar sobre o contrato de concessão do serviço e com a empresa São Miguel, mas ambos não responderam até o fechamento desta matéria.

Você pode gostar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O limite de tempo está esgotado. Recarregue CAPTCHA.