A Itatiaia que ninguém vê e corre o risco de desaparecer!

Grupo de estudantes da UFRRJ, em 2017, realizando estudos geológicos no Leque de Itatiaia, ainda sem a presença de construções (Fotos: Thiago Ferreira/Acidhis)

No começo desta semana, o estado do Rio de Janeiro aprovou uma lei que na teoria pode beneficiar todos os municípios da Região das Agulhas Negras, inclusive Itatiaia, que nesta quarta-feira, dia 1º, comemora 33 anos de emancipação. No entanto, ainda que seja um município que se destaca pela alta arrecadação econômica entre os vizinhos, especialmente por seu potencial turístico (com atrações que poderiam se enquadrar na recém-aprovada lei estadual), o mesmo pode estar deixando desaparecer dois patrimônios também com potencial turístico, mas que se encontram desamparados pela falta de uma legislação específica local que possa garantir a preservação destes.

E o pior: com tanta notícia negativa na imprensa local e nacional pelos escândalos ocorridos nos últimos anos dentro da Prefeitura, além do atraso na posse de um prefeito definitivo para o atual mandato, a população pouco ou nada conhece sobre esses patrimônios. O iminente desaparecimento deles tem preocupado os membros do Conselho Municipal de Cultura de Itatiaia.

Em entrevista ao jornal BEIRA-RIO, ainda que esteja no conselho representando o segmento musical, Rodrigo Camará Soares, revela que tem trabalhado incansavelmente com o grupo no tombamento desses patrimônios. Um deles, chamado de Patrimônio Geopaleontológico Municipal do Afloramento do Leque de Itatiaia (ou Leque do Itatiaia), está sendo degradado por construções irregulares, uma delas denunciada junto ao Ministério Público Federal (MPF) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no bairro Vila Pinheiro.

– Em relação ao patrimônio paleontológico, já existe uma decisão jurídica falando sobre qual a qual deve ser a destinação daquela área, dando a obrigação do município de reverter a ocupação irregular que existe naquela área e devolver aquilo pra comunidade. Então a gente espera que a procuradoria da prefeitura analise logo essas demandas e deem essa resposta para a população – respondeu.

Em 2019, sítio arqueológico da Vila Pinheiro já estava ocupado por construções irregulares como a da foto (Foto: Divulgação)

Em relação a outro patrimônio, a situação ainda é mais grave. Segundo o conselheiro, as Ruínas da Antiga Usina de Força do Campo Alegre, que é considerado o Marco Zero de Itatiaia, sofreu com o extravio do documentos enviados pelo Conselho de Cultura para a Prefeitura, no ano de 2017, e que continham material com dados sobre a área de abrangência das ruínas, de propriedade da família de Marcelo Cotrim. “Durante a gestão de 2018, o processo sumiu na dentro da prefeitura. Abrimos uma sindicância para apurar esse sumiço, que é algo gravíssimo!”, relembrou.

Soares, que está atualmente em seu segundo mandato como conselheiro de Cultura de Itatiaia, lamenta que a falta de uma legislação que tombe todos os patrimônios no município esteja ocasionando problemas tanto para o Leque de Itatiaia quanto para o Marco Zero.

– No meu primeiro mandato do conselho, foi dada ciência sobre esse assunto, entre os anos de 2016 e 2017. E o governo anterior não tomou as devidas providências, entre elas a construção de uma legislação que tombe realmente esse patrimônio a nível municipal. O que nós temos hoje são tombamentos parciais, feitos pela câmara de maneira individual, mas nós temos esses tombamentos no Plano Diretor, mas não temos uma regulamentação específica de patrimônio no que cuide deles.

Antes da aprovação de empreendimento imobiliário, ruínas da usina do Campo Alegre podiam ser observadas, em novembro de 2014 (Foto: Thiago Ferreira/Acidhis)

MUNICÍPIO MULTADO POR OMISSÃO
Sem essa garantia legal do Poder Público, o conselheiro apresentou ao BEIRA-RIO os documentos da denúncia encaminhada ao MPF e da decisão da Justiça Federal acerca do patrimônio paleontológico a favor da UFRJ, no ano de 2021 (houve em 2017 uma decisão anterior, favorável ao município e ao proprietário de um dos lotes ocupados na área do patrimônio, e que a universidade recorreu).

Na denúncia feita no Ministério Público, a UFRJ cita que recebeu “informações do Coordenador de Cultura do Município de Itatiaia, Sr. Rodrigo Camara Soares, de que o referido geossítio está sob risco iminente de desaparecimento devido à construção pelo ocupante, de um muro de contenção rente ao afloramento”. (…) “Solicito, portanto, que esta denúncia seja encaminhada à Procuradoria o quanto antes, de modo que algo possa ser feito para impedir que esse patrimônio seja definitivamente destruído”, cita um trecho do documento do MPF, de dezembro de 2021.

A Justiça Federal, ainda em dezembro, deu decisão favorável à preservação do patrimônio, determinando que seja imediatamente “embargada e paralisada qualquer obra no imóvel objeto destes autos (lote 9 e 10, na parte do terreno imediatamente em frente ao afloramento, situado no município de Itatiaia/RJ, na Rua Pinheiro, bairro Vila Pinheiro), afim de evitar qualquer dano ao afloramento geológico, bem como evitar que o livre acesso ao bem seja prejudicado, tudo isso sob pena de multa já prevista”. Além disso, determina a imediata demolição dessas construções.

As multas previstas para o caso de fechamento do acesso ao afloramento, bem como a edificação ou realização de intervenções na área que ainda não possuía construções são de R$ 10 mil, em caso de descumprimento, fora a multa de R$ 30 mil ao município, em razão de sua “omissão no dever de fiscalizar a área do geossítio e evitar a ocorrência de danos ao mesmo”.

Ruínas que estavam no mesmo local da foto anterior foram demolidas e pouco sobrou delas, em novembro de 2016 (Foto: Thiago Ferreira/Acidhis)

RUÍNAS JÁ ESTÃO SENDO DEMOLIDAS
Ainda que esteja individualmente tombado no Plano Diretor municipal, o Marco Zero de Itatiaia também padece da falta de cuidados e documentação para que esse tombamento funcione na prática. No ano de 2017, dois anos após a aprovação por parte da prefeitura do loteamento Portal do Parque, localizado na Avenida Wanderbilt Duarte de Barros, a Comissão Especial de Patrimônio, do Conselho Municipal de Cultura, enviou vários documentos registrados no Processo 7819/2016, aberto na Prefeitura.

Mesmo com o sumiço dos documentos citado por Soares, o jornal BEIRA-RIO encontrou parte desse material no blog da Academia Itatiaiaense de História relacionado ao Parecer 001/2017. No documento, é citado que o “processo em pauta trata-se de solicitação de providências feita pelo Conselho Municipal de Cultura, através da Casa da cultura, no intuito de resguardar a memória do Município de Itatiaia efetivamente, e salvaguardando a integridade do sítio histórico denominado de Ruínas da Usina Elétrica”, situada no local onde fica o loteamento.

– O documento contém um levantamento onde o conselho solicita o mapeamento do patrimônio, fruto do trabalho de um ano realizado pela comissão especial. Sendo que era apenas um dos documentos do processo que sumiu na prefeitura. Nesse documento, que mostra a demolição das ruínas com a chegada do empreendimento, queriam resumir a preservação somente ao trecho da caixa d’água, e na verdade tem que se mapear o patrimônio inteiro, que inclui também a Fazenda Aleluia (onde costuma ser realizada a Exposição de Itatiaia). Isso mostra o descaso das gestões anteriores com os patrimônios da cidade.

Soares defende a importância de se criar uma segurança jurídica para esses patrimônios. “A partir da desse dessa segurança jurídica, a segunda prioridade é definir recursos dentro do orçamento público a educação patrimonial, que é justamente a ação de dinamizar, descentralizar essas informações sobre patrimônio”, cita o conselheiro, acrescentando a importância deles para o turismo.

– Até o próprio turismo da região se desenvolve explorando os patrimônios locais, sejam patrimônios ambientais que são as cachoeiras, nosso parque, como os patrimônios históricos e artísticos. São esses patrimônios que fazem o turismo local. A Colônia Finlandesa, por exemplo, é um patrimônio histórico aqui da nossa da nossa região. Isso é justamente é o arroz com feijão que a gente precisa desenvolver pra depois explorar a educação patrimonial e e conseguir distribuir esse conteúdo pra população de Itatiaia – conclui.

SOBRE OS PATRIMÔNIOS
Segundo informações da Academia Itatiaiaense de História (Acidhis), o Patrimônio Geopaleontológico Municipal do Afloramento do Leque de Itatiaia trata-se de um afloramento de alta relevância didática e científica, testemunho da evolução geológica do Maciço do Itatiaia e da bacia sedimentar de Resende. O local situado na Vila Pinheiro possui importância paleontológica, pela presença de raros fósseis de vegetais da região, que permitem reconstruir o clima do passado e, portanto, podem auxiliar na previsão de mudanças climáticas na atualidade, sendo alvo de Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado, Monografias de Graduação e diversos trabalhos de Iniciação Científica, avaliados por entidades como a UFRJ, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Museu Nacional, além da própria Acidhis.

Já o Marco Zero de Itatiaia surgiu no Século XVIII, e fica no bairro Campo Alegre. O local chegou a ser fazenda, usina hidrelétrica e um enorme canavial, entre os séculos XVIII e XX. Diferente do Afloramento, o local ainda é amparado pela Lei Complementar n° 003, de 28 de dezembro de 1998, do Plano Diretor de Itatiaia, posteriormente modificado pela Lei Complementar n° 011 de 17 de dezembro de 2007; relacionado ao uso de ocupação do solo do núcleo urbano central, e é citado em seu Artigo 14, inciso VI, como uma das Unidades de Proteção do Ambiente Histórico e Cultural (UPAHCs), ao lado de patrimônios como o antigo tanque de água de tropeiros, datada de 1875, situado na Rua Dona Apolinária, nº 431, o Teatro Municipal e a Sede da Fazenda Belos Prados. Desde 1947, a área pertence aos familiares de Marcelo de Souza Cotrim.

O QUE DIZ A PREFEITURA
Em nota, a assessoria de comunicação da Prefeitura de Itatiaia informa que a nova administração assumiu há dois meses e não houve tempo hábil para um aprofundamento das questões cotadas na reportagem, mas ressalta que a mesma tem atuado, através da Superintendência de Cultura, na elaboração do Plano Municipal de Proteção e Valorização do Patrimônio Cultural e Natural do Município.

A mesma nota ainda adianta que um grupo foi montado para estudar as leis e propor a criação de uma legislação específica para tombamento histórico, cultural e natural de Itatiaia.

Paralelo a isso, foi realizada no último fim de semana, a eleição do Conselho Municipal de Cultura, onde um membro representante específico do patrimônio histórico acompanhará de perto o processo de criação do Plano Municipal, que servirá de proteção de monumentos e equipamentos como o Marco Zero e o Leque de Itatiaia.

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