Mal-estar da província!

Há 16 anos quando o BEIRA-RIO foi fundado, era comum ouvir que um novo jornal surgia para atender a grupos políticos que não queriam se mostrar. Nunca dei atenção e o tempo mostrou que o jornal surgiu para suprir o hiato existente no município de Resende e região, de um veículo que pratique jornalismo independente das vontades políticas dos grupos de poder ou das simpatias fáceis. O caminho foi, e é árduo, é verdade, a ideia de um jornal independe e em oposição aos desmandos cometidos contra a população, contra os direitos do cidadão nunca pareceram, aos olhos dos acostumados a mandar, aqui ou em outro lugar, uma benção dos céus.

Resende ainda mantém, mas está desaparecendo, aos poucos o ranço provinciano de aos “amigos tudo, aos inimigos negociamos”. De tempos em tempos escrevo algo parecido, mas em momentos e governos diferentes. Diferentes? Nem tanto. Mudam os personagens, mas na realidade a prática é a mesma.

Resende, às vezes, incorpora este papel tipicamente provinciano e como toda cidadela afastada do mundo quer impor suas próprias regras, uma ética sui generis, ainda que estas regras estejam distantes do preceito de Justiça. Quando digo Resende, talvez exagere; não é intenção generalizar, mas aqui considero Resende os grupos que circundam as forças vigents e que muitas vezes, se sustentam dela, segundo suas conveniências. Tenho percebido pelos assuntos dos últimos dias, que alguns setores da chamada sociedade resendense, preferem fechar os olhos para as questões que num sentido de alteridade parecem lhes atingir em cheio.

Do contrário, não haveria óbice para compreender que a lei foi feita para todos, mas o que se vê é uma busca de justificativas para amenizar as irregularidades e os abusos que para os amigos merecem o silêncio, quando não, a concordância do desprezo à lei, mas para os inimigos do rei, a história é outra.

As recentes notícias de nomeações de pessoas que não têm obrigação de hora ou dia de trabalho na prefeitura de Resende, mas que ganham dos cofres públicos, ou seja, do bolso do contribuinte resendense revelou um mal-estar na província e me fez lembrar Crime e Castigo de Dostoievski, onde “cada um de nós é culpado diante de todos por todos e por tudo, e eu mais que os outros”. A passividade diante de algumas situações, flagrantes em desrespeito às leis e à moral da coisa pública, revelam o desejo não apenas de compreender, mas de assumir o lugar do outro e assim manter a engrenagem da política do ganho fácil, dos hábitos (os piores) da política brasileira onde ainda se ouve “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Frases como essa acima demonstram a cultura pobre que ainda domina o entendimento daqueles que consideram o poder político-administrativo acima dos direitos dos cidadãos. A lei é rasgada ou negligenciada e começa muitas vezes dentro da própria máquina administrativa; fico pasma de ver a cumplicidade e conivência de quem age apenas como um servo do poder ou por parte daqueles que se locupletam ou têm esperança de ficar com as sobras. Por outro lado, servidores inconformados, ainda que temerosos, começam a revelar e assumir com coragem que não se propõem a participar de atos obscuros do governo e colaboram com a imprensa, com o Ministério Público, com a Justiça e dizem não à passividade, à concordância do que é melhor ao poder e não ao povo.

Esse episódio lamentável, em Resende, das nomeações de pessoas pagas com o dinheiro público, que não estão presentes em dias e horários de expediente tal como outros nomeados, e que o fazem, demonstra além do desrespeito à isonomia e o culto ao privilégio para alguns, como um procedimento “normal” e que deve ser aceito porque, afinal os fins justificam os meios. Justificam?

Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br

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