Mas nem na internet…

Viveu tanto que viu a guerra; e mais tanto que sobreviveu a ela. E de tanto viver passou também por períodos difíceis. Momentos nos quais precisou inventar o que comer. Foi nessa época que entendeu, a duras penas, o significado das refeições. Pois comida não é artigo de luxo e sim de sobrevivência. O almoço pode ser um café da manhã e lanche qualquer coisa que se possa levar para a mesa. Sei que viveu tanto a ponto de acompanhar, passo a passo, o mundo se refazer inteiramente. Na infância tinha certeza, ainda que sua fonte fosse um tio contador de histórias depois uma bebida na tarde de domingo, que por esse mundo havia tanta gente estranha quanto singular. Tribos que não queriam nem conversa. Agora o mundo todo podia ser percebido como se tornara: com hábitos semelhantes que cortavam as pessoas e seus afazeres e refeições e preferências. As coisas estavam ficando bem parecidas embora as camisetas pudessem ser personalizadas na loja.

Depois viveu para viajar, para namorar e ter quatro filhos. Em tanto tempo de vida achou espaço para escrever seus versos. Criou suas próprias receitas, mas algumas delas fez uma única vez.

Por fim (da crônica), ainda vive e vê coisas demais. Não acusa a TV tampouco a internet. Porém, francamente, não compreende o que as crianças fazem na escola durante tanto tempo. Ontem a tarde uma amiga da sua bisneta não sabia das diferenças entre uma carambola e uma pitanga. Foi quando aquela que já vivera tanto lhe disse em tom de reprovação: Mas nem na internet você viu?

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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