Esperança

Hoje encontrei a esperança morta na minha mesa de trabalho. Suas pernas cruzadas formando uma nítida estrela de cinco pontas; seus olhos abertos, como os olhos dos mortos mais terríveis. – Não há quem não se aterrorize com um cadáver de olhos abertos -. É como se a morte nos olhasse sem pudor, da forma mais intrusa possível, como se nos rastreasse por onde quer que fossemos – como o fazem as fotografias das modelos nos outdoors, que, aliás, guardam sempre algo de tétrico.

A esperança morta de olhos abertos! Assustei-me ao ver seu cadáver. Fui o primeiro a encontrá-lo. E logo também o primeiro a ter dúvida sobre o que fazer. Jogar a esperança fora pela janela, ainda que morta, não me parecia ato digno de quem ainda dispunha de tanta vida pela frente. Ao passo que guardá-la assim falecida, causava-me incômodo: a esperança morta que trago no bolso! Diria isso para quem?

Mas e se convocasse os outros e mostrasse o caso? Ou se eu lhe arrancasse a cabeça e lançasse o corpo ao chão? Talvez varreriam na confusão de poeira e folhas que todos os dias o vento traz. E assim ninguém saberia de nada. Entretanto eu ficaria com os olhos abertos da esperança morta dentro do miolo da mão fechada. E eles me diriam o que houve. Talvez à noite eu tivesse um pesadelo aonde a esperança me viesse cobrar pelo seu corpo reclamando que não estava morta, apenas descansava quando foi decapitada!

Agora escrevo a crônica com uma única mão. Dentro da outra continua a esperança, que por medo da sorte, do azar ou da própria esperança, não me deixou decidir o que fazer.

Como são robustas nossas superstições!

Rafael Alvarenga
escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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