Dia de céu todo cinza

A cidade inteira esteve sentada debaixo de um céu todo cinza. Céu cinza não tem azul, não tem sol e parece até que não tem nuvem. É só cinza. Como se tudo houvesse acabado e o tempo ainda não passado o suficiente para que qualquer outra coisa já pudesse ter nascido. Jamais eu havia visto essa cidade com um céu tão cinza de cabo a rabo. Por isso, desde que desci do ônibus, cri que algo de diferente acontecia naquele dia.

Estava certa minha intuição. Poucas pessoas nas ruas e nos sinais. Pelas calçadas não perambulavam grupos de estudantes. Era um ou outro. Isolados, sem algazarra, sem conversas em alto tom. O comércio estava aberto. Mas ninguém comprava ou vendia um alfinete sequer. Pensei naquela música do Raul: No dia em que a terra parou… E se a terra fosse essa cidade, deveria mesmo estar parada.

Sei que quem andava pelas calçadas olhava para baixo. E nas bancas de jornal as notícias me remetiam a anteontem. Era como se a cidade inteira se sentisse em um dia sem propósito. Ninguém vestia amarelo, azul ou vermelho. Dentro dos bares eram apenas a televisão ligada e o dono sentado atrás do balcão na dormência de um cochilo.

Havia um silêncio impertinente mesmo nos carros de outras décadas. Faltava uma chuva fina para varrer das ruas qualquer encontro casual entre dois amigos que se cumprimentassem e se alegrassem. Mas isso o céu cinza não dava a cidade. Afinal, depois da chuva havia de surgir a abonança de um sol amarelo em um céu azul.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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