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Terra Brasilis: mais uma farsa na Educação

Em dezembro passado, já no dia nove, o jornal A Folha de São Paulo entregou um antecipado presente de grego ao cidadão brasileiro, apresentando uma entrevista com a secretária de Educação do estado de Goiás, Raquel Teixeira. A temática da entrevista é o projeto, já em execução, do governo daquele estado, desenvolvendo um formato de gestão do ensino público realmente inusitado e novo cá na Terra Brasilis.

Esse novo formato representa passar, de forma parcelada, o sistema de educação básica para a iniciativa privada, logicamente com os devidos acautelamentos necessários para iludir a opinião pública sobre a verdadeira intenção de longo prazo, que seria, sem dúvida alguma, entregar ao empresariado os lucros referentes à educação desses milhões de estudantes que o Brasil tem. É lucro que não acaba mais!!!

Na entrevista, a citada secretária diz que esse é um projeto piloto “para observarmos a diferença de desempenho entre grupos, entre escolas”, ou seja, entre o desempenho das escolas entregues à iniciativa privada e aquelas que vierem a permanecer sob a total direção da Secretaria de Educação.

Se pretende a secretária e seus seguidores privatistas partir do princípio que a iniciativa privada é sempre mais eficiente, lembramos que, segundo o RUF (Ranking Universitário Folha), para 2015, dentre as dezoito melhores universidades brasileiras todas são públicas, nenhuma universidade privada se inclui. Será que os maus resultados apresentados pela educação pública nos níveis básico e médio não estariam ligados a um descaso com as classes menos favorecidas? Será que nosso ensino público só tem condições de alocar profissionais com bons resultados no ensino superior? Por que não procurar formas de conduzir esses bons profissionais, com seus bons resultados, para as instituições públicas que atendem as classes menos favorecidas, nos ensinos básico e médio? A Constituição Federal, em seu artigo 205, diz que a educação é direito de todos e dever do Estado. Por que, então, partir para a forma que, sorrateiramente, livra o Estado de sua obrigação constitucional e entrega o farto mercado da educação brasileira à iniciativa privada?

Não podemos descartar a hipótese de que o poder executivo do citado estado de Goiás, incluindo-se aí a secretária de Educação, possivelmente negligenciarão as escolas não “privatizadas”, ou mesmo farão nelas um verdadeiro desmonte com o objetivo de comprovar sua tese de ineficiência do sistema público de ensino e, com isso, poder continuar favorecendo seus parceiros, apadrinhados, parentes e laranjas, que aumentariam seus lucros, seus patrimônios, à custa , como sempre, dos bens do povo. Aliás, esse desmonte, descaradamente, o governo Marconi Perillo, tendo à frente a secretária de Educação, já iniciou, colocando em curso um processo de seleção de professores em que os profissionais com formação até nível médio terão salário de R4 552,62, para carga horário de 20 horas semanais, e os professores com curso superior R$ 1.308, para carga de 40 horas semanais. Leitor, paremos pra pensar: comparemos estes valores com os salários de outras e outras profissões! Comparou? Percebeu que coisa absurda?

Seria nos alongar neste espaço falar com detalhes acerca do que esses salários possam representar, mas eles mostram a continuidade da velha prática do Estado brasileiro, que diz pretender boa qualidade do ensino público através da má remuneração do seu quadro de professores. Sim, porque salário de R4 1.308 para um profissional de nível superior trabalhar 40 horas por semana é miséria, se fizermos comparação com qualquer outra profissão.

Lá pelas linhas tantas, referindo-se ao empresário, diz Raquel Teixeira que “ele tem lado humano, filantrópico, social, quer ajudar”, essas são palavras delas. Muito estranha essa afirmação. Quer dizer que os empresários que estão entrando nesse negócio estão querendo fazer filantropia? Não, eles estão querendo fazer negócio, eles querem ter lucro, o que não é erro, não represente pecado ter algum lucro. O erro é a desfaçatez do poder público, através dessa secretária, quer entregar à iniciativa privada a responsabilidade da educação do povo, por intermédio desse discurso falacioso, até mesmo cínico. As palavras delas são uma lástima, se lembrarmos que fez carreira acadêmica. Que tristeza!

Perguntada sobre o caráter privatista do projeto educacional goiano, a secretária responde, dentre outras ignomínias, que não está “perdendo o controle e permitindo lucro de uma empresa”. Quanto ao controle, o sistema pode até não perder, se tiver real intenção, no entanto, ao dizer que não está “permitindo o lucro de uma empresa”, mais uma vez,a secretária beira as raias da enganação e aqui voltamos atrás e afirmamos que ter lucro é saudável e necessário na iniciativa privada, mas é cinismo a atitude de um agente público entregar o amplo mercado da educação brasileira afirmando que não está “permitindo lucro de uma empresa”. Isto é uma farsa!

Em meio a essas e outras tantas falácias, perguntamos pelos aspectos legais dos descaminhos dessa investida do executivo goiano e nos deparamos, de antemão, com o dispositivo constitucional, em seu artigo 213, segundo o qual “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei” e ainda, “que comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação”.

Daí, perguntamos se as OSs que a secretária de Educação, sem dúvida, já habilitou são escolas comunitária, confessionais, ou filantrópicas, antecipadamente definidas em lei. Será que são? E se o forem, será que representam manobras ilegítimas adrede preparadas e orientadas por agentes do Estado, para tomar de assalto mais uma parcela dos sofridos cofres públicos?

Surgem ainda outras e outras perguntas: Qual é o valor total que sairá dos apertados recursos da educação pública brasileira para os cofres desse empresário, singular ou plural, que, segundo as palavras da secretária, “ele tem lado humano, filantrópico, social, quer ajudar”. Esse valor deve ser zero, ou então a secretária se enganou ao fazer referência ao seu lado humano, filantrópico, etc, etc. Foi feita licitação prévia e regular, ou, considerando a filantropia do empresário, conseguiu-se algum álibi para se descumprir dos dispositivos legais?

Senhores componentes do Conselho Nacional de Educação, senhores componentes do Ministério Público, estamos de frente a um caso de considerável importância, visto que pode representar apenas a ponta de um gigantesco iceberg que, estado por estado sorrateiramente, vai repassar, de forma sórdida, aos discretos parceiros de indecorosos agentes públicos o grande bolo de bilhões da educação pública brasileira.

D’Almeida, professor e livre pensador

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