QUEM PENSA? Quando se leva ferro numa eleição, quem realmente estará ferrado?

Esses dias, caminhando pelo Parque das Águas, em Resende, resolvo parar debaixo de uma das poucas árvores que já dão sombra naquele local. Como as árvores demoram a crescer lá, não é mesmo? Pois bem, sentada observando um pouco o movimento vejo duas mulheres com idades entre 40 e 50 anos caminhando e que resolvem parar bem próximo de onde eu estava; sentam-se num banco e a conversa que vinha da caminha prossegue. Como não ouvir a conversa em local público? Pois bem, e como eterna repórter que sou, logo associei a conversa às questões de interesse público. Dizia uma das mulheres: “eu juro que estou em dúvida, porque há uma ameaça flagrante se essa mulher perder a eleição”. A outra: “Eu não tenho dúvida, não vou ficar batendo palma pra quem tá enchendo o bolso às nossas custas”. Dali seguiram com: “o pessoal lá…”, “não dá pra ficar quieto”, “até empresários dele estão começando a apoiar outros candidatos”, “sei não, que chegue logo outubro”. Entre alguns risos, suspiros e expectativas, as duas continuaram a conversar e eu ali, absorvendo a conversa dos outros percebi que aquele assunto me interessava e comecei a refletir sobre algumas colocações.

O que será que uma daquelas mulheres quis dizer com “há uma ameaça flagrante”, será que seus maridos ou elas mesmas ocupam cargos CC (corda corroída) que sem previsão pode arrebentar? Meus pensamentos fluíram e fiquei com uma outra possibilidade muito mais grave do que a perda de cargo político de séquito. Fiquei a pensar que talvez elas – e mais alguma pessoas com propriedade – saibam de alguma coisa de prejuízo maior para uma cidade, para uma população. Se uma eleição representa a chance de permanência no poder, e a eleição é um fracasso, o poder perde forças e consequentemente apoios. E se um governo é composto, por exemplo, de pessoas mal-intencionadas ao perder força e apoio, a tábua de salvação pode ter a aparência de um cofre. Só que esse cofre é público e sendo assim, seria possível uma vingança? Viajei né? Pode ser. Mas de qualquer maneira lembrei de Maquiavel.

O que importa é a conquista e a manutenção do poder, já dizia “O príncipe” e se essa manutenção está ameaçada… sai de baixo, pois vale tudo: aos príncipes ou reis é permitido quase tudo: roubar, matar, mentir, enganar. Pobre Lucrécia, destinada à sombra e à construção dos degraus e cuja moralidade é personificada no poder e nunca, jamais o que o povo ou os apoiadores esperam. Mas o aprendizado e o céu não são limítrofes para quem busca o poder. Por isso, a própria Lucrécia, como bem definiu Maquiavel, tem lá seus rompantes em nome do poder. Como uma mulher belíssima que é completamente inacessível, afinal era casada e virtuosíssima – seguia os ditames da igreja cristã –, pode terminar como uma mulher que vai contradizer os costumes? Mesmo sendo uma mulher virtuosa (ou quase), ela vai, como Maquiavel mostrou, alterar seu comportamento. Realmente este é um pensamento maquiavélico: “mesmo os virtuosos podem sucumbir aos vícios”. Aliás, duas belas obras de Maquiavel que recomendo leitura: O príncipe e A mandrágora. Aliás, me lembro ainda da bela apresentação no teatro da Aman, de “A mandrágora”, comédia ímpar com o maravilhoso Miguel Falabella.

Mas o que isso tudo tem mesmo a ver com a conversa das duas mulheres? Maquiavel, Mandrágora, comédia, Lucrécia, príncipe, corrupção, poder, traição, e… acima de tudo… a famosa frase que parece nem de Maquiavel é, mas ele deitou na cama, que diz: “os fins justificam os meios”? Todo esse pensamento pode de certa forma, sim, expressar as dúvidas e questionamento que aquelas mulheres, sem pretensões como a minha rasa filosofia, deixaram transparecer. Talvez elas estejam certas. O poder ameaçado poderá ser um instrumento de vingança. Uma formiga me ferroou doído na batata da perna, mas despertei de meus pensamentos “maquiavélicos”, levantei e recomecei a caminhar. É aprazível este Parque das Águas.

Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br

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