QUEM PENSA? Os invisíveis!

Tenho um amigo querido cujas ideias geralmente divergem, e muito, mas em alguns assuntos o considero mestre. Criança e adolescente é um destes assuntos que Paulo Silva, o Cesinha, conhece muito. Sua sensibilidade para o tema e visão técnica convergem para diretrizes de políticas públicas que vale a pena muita gente conhecer. Sugiro que quem se interessa pelo tema, converse um pouco com Cesinha que terá certeza que investir na criança e no adolescente é mais do que um discurso eleitoreiro, o qual estamos acostumados a ouvir. Investir em criança é acima de tudo respeitar essa criança e ter muita seriedade no trato das políticas públicas.

Conversando com Cesinha percebi, em Resende, um abismo, cada vez maior, entre o discurso e as ações básicas e preventivas que realmente sejam voltadas para as crianças e os adolescentes, a prova disso é o número absurdo de jovens mortos na cidade. Essa gente invisível aos olhos das autoridades e da sociedade de um modo geral. Essa gente invisível tem um perfil: pobres, maioria negra e com histórico de dependência química. As famílias são desassistidas, as mortes viram estatísticas e o governo segue no estilo quanto mais obra melhor, quanto mais indústria melhor.

Melhor para quem? É a pergunta que devemos fazer. A cidade cresce rapidamente, tem potencial para muito mais, só que este crescimento vem acompanhado da falta de planejamento nos diversos setores públicos e com isso não tenho dúvidas que vamos amargar ainda muitas capas de jornais com morte de jovens. Além da falta de planejamento, os poucos projetos existentes são engavetados ou “ingembrados” como se fala no nordeste deste país. E não é por falta de dinheiro. É por incompetência ou simplesmente falta de interesse. Penso que no caso de Resende tem os dois componentes.

Vejamos um exemplo, em janeiro deste ano, a Votorantim depositou na conta do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente a quantia de R$ 86,9 mil para que o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e para realizar um diagnóstico sobre a situação da criança e do adolescente. Um diagnóstico que iria permitir conhecer as fragilidades e também as potencialidades para melhor desenvolver as políticas públicas existentes, assim como criar condições de aplicar outras políticas necessárias.

O ano não terminou – tá quase – e o município registra uma média de 4,33% assassinatos mês, destes, a grande maioria é de jovens e muitos jovens ainda adolescentes. Os mesmos adolescentes que, para algumas pessoas já podem ser presos porque fazem filhos, podem votar e matam. Como se qualquer uma das ações fosse prerrogativa para condená-los. Nem mesmo o matar o é, simplesmente pela ação. Todos ao serem acusados de crimes precisam de um julgamento, têm direito à defesa. E quem defende esses invisíveis “assassinos”? E quem acredita que a solução está em enterrá-los ou colocá-los na cadeia? Tenho certeza que a segunda pergunta terá muito mais “eu” do que a primeira. Normal, numa sociedade acostumada a ver a consequência e não a causa. Normal, numa sociedade em que a Educação é considerada moeda de troca e a elaboração de políticas públicas um mero mecanismo de obter recursos financeiros.

No caso de Resende, a Votorantim além de dar R$ 86,9 mil para o projeto “Conhecer para Transformar” proporcionou a capacitação dos conselheiros para a elaboração do diagnóstico. Esse diagnóstico – se for feito e da maneira correta – poderá realmente proporcionar uma nova visão e assim ser um ponto de partida para implementação de programas e projetos de políticas básicas, de assistência e de proteção especial. Na expectativa de um futuro em que apenas as políticas básicas sejam necessárias. Além de mapear todo a situação de violação de direitos das crianças e dos adolescentes.

Mas até agora, nem a Votorantim, nem a cidade viu a cor do diagnóstico que tinha oito meses para ficar pronto. Dezembro chegou e claro, aquele tradicional recesso de fim de ano no poder público se aproxima e dificilmente o governo Rechuan apresentará os resultados desse diagnóstico tão importante, mas pelo jeito de pouca prioridade no governo municipal. O Cesinha falando dos “invisíveis” me chamou a atenção para uma outra questão, já que tem militância na área e ocupou a presidência do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente até o ano passado. Cesinha sempre faz questão de lembrar que existem pessoas muito boas e preparadas para o trato deste tema na cidade, lembra a competência do Ministério Público, mas é reticente quando falo do tal prêmio “Prefeito Amigo da Criança” que o governo Rechuan gosta de propagar. Sua reticência me chama atenção porque parece que toda a política para manter o prêmio passa ao largo do CMDCA e mais distante ainda da realidade das crianças e adolescentes do município. Já comentei isso antes e agora, mais do que nunca tenho convicção que o prêmio recebido antes da eleição do ano passado foi mesmo uma grande jogada de marketing. Do contrário, quais os resultados efetivos conquistados com esse prêmio? Por que mais jovens se prostituem? Por que tantas crianças e adolescentes estão dependentes da droga? Por que tantos jovens estão morrendo numa violência anunciada?

Gostaria de ver o meu amigo Cesinha mais combativo, participando por exemplo, da eleição do Conselho Tutelar. Como ele, outros amigos e pessoas que reputo interesse pela causa e conhecimento não vou citar outros nomes aqui, para não cometer o pecado de esquecer alguém com igual capacidade. E os próximos conselheiros tutelares terão além do salário, mais condições para trabalhar, porque chega na próxima semana, um carro, cinco computadores, ar-condicionado, entre outros equipamentos conseguidos através de emenda parlamentar com recursos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. O Conselho Tutelar de Resende finalmente terá mais condições de realizar suas ações e sobre estas funções quero discorrer um pouco num outro artigo, talvez na próxima semana.

Voltando aos invisíveis e ao diagnóstico que já poderia estar pronto e que poderia inclusive ser o pontapé de outros projetos que precisariam ser encaminhados até o final deste ano para empresas que podem viabilizar sua execução, quero encerrar este artigo trazendo um assunto bem doméstico e que gostaria de chamar a atenção do Ministério Público. Um grupo de mulheres tenta visitar os abrigos de crianças e adolescentes no município de Resende e não conseguem. A intenção do grupo é levar alguns presentes, fazer um lanche e conversar com as crianças, como outras pessoas que neste período do ano sempre solicitam, mas é bom lembrar que várias pessoas fazem isso em outras datas e durante todo o ano e esse grupo foi informado que não podem visitar mais as crianças. Seria uma nova determinação. Pois bem, pedi a Assessoria de Comunicação da Prefeitura uma informação a respeito e recebi a seguinte nota: “Para garantir a organização da rotina diária dos abrigos, a Fundação Confiar (Conselho Fundacional para a Infância e Adolescência de Resende), responsável pelas instituições, está apenas solicitando que as visitas sejam agendadas através dos telefones 3360-6146 (Casa da Acolhida) e 3360-9888 (Nossa Casa), para não prejudicar as atividades das crianças e adolescentes”.

Claro, isso é normal e necessário. Visita surpresa só o MP, conselhos municipais que têm atribuição para tal, Justiça e auditorias, mas não foi isso que o grupo ouviu. Ouviu que não podiam visitar. Eu hein! Desde quando isso? E qual a justificativa? Estão isolando as crianças e adolescentes? E quem está concordando com isso? Confiar? CMDC? Muito esquisito isso. Bem, mas acho que como o assunto que foi parar nas redes sociais a repercussão trouxe de volta a sensibilidade aos gestores das políticas da criança e do adolescente em Resende, pois, pessoalmente, liguei na quinta-feira para ambas as casas e falaram que era só agendar. Menos mal e vamos ver quando sairá o diagnóstico. Em contato com a Votorantim, a resposta foi simples, objetiva e distante: “a Votorantim acompanha o assunto e aguarda os resultados do diagnóstico”. Nós também! Talvez, quem sabe, esses resultados comecem a tornar as crianças e os jovens desse município menos invisíveis.

Ana Lúcia
Editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br

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