Hoje, reproduzo aqui a “Carta aberta aos membros do Congresso Nacional” do Abramo que dirige o Transparência Brasil, um dos pioneiros na controle social e na luta da transparência dos dados públicos, por considerar as nomeações – da maneira e quantidade que acontecem – de Cargos Comissionados, os famosos CCs, uma vergonha. Segue a carta:
“Em nome do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil, dirijo-me a Vv. Excias. no intuito de interessá-los na promulgação de uma emenda à Constituição com a finalidade de limitar a quantidade de pessoas que os detentores de cargos elevados na administração pública dos três poderes e das três esferas podem nomear livremente.
Não existe, atualmente, limitação à quantidade dessas pessoas.
Diversos efeitos deletérios decorrem dessa liberdade de nomeação, os quais são mencionados brevemente no que se segue (limita-se esta exposição ao poder Executivo, mas o problema afeta os três poderes):
1) As consequências mais profundamente prejudiciais da liberdade de nomeação são as políticas.
Como o chefe do Executivo pode nomear direta ou indiretamente uma quantidade ilimitada de indivíduos, usa a prerrogativa para angariar apoios partidários no respectivo Legislativo. A atração desses apoios não guarda qualquer relação com proximidades ideológicas ou programáticas, baseando-se exclusivamente na fatia com que cada partido será aquinhoado no loteamento (usam-se aqui as expressões corriqueiramente empregadas para descrever o processo). Todos os partidos fazem isso nos locais onde estejam no poder, independentemente de quais sejam.
Ao fazê-lo, o Executivo procura garantir duas contrapartidas: a principal é não ser fiscalizado pelo Legislativo; em segundo lugar, obter maioria para a aprovação de matérias legislativas de seu interesse.
Com isso, destroi-se a própria finalidade do Legislativo. Como é notório, o Legislativo brasileiro não fiscaliza o Executivo e legisla muito pouco.
Na prática, portanto, a liberdade de nomeação tem papel importante (não é o único, claro) no agravamento da disfuncionalidade legislativa, com a gravíssima consequência de que o eleitor do país não lhe dá importância.
A mesma falta de estima afeta os partidos políticos. Pode-se afirmar sem erro que a grande maioria destes existe apenas para funcionar como comensais do poder, algo que o eleitor detecta com alta precisão.
A voz das ruas tem confirmado tal diagnóstico com eloquência que nenhum documento poderia igualar.
2) Dependência da ocupação de cargos (que, exceto alguns poucos, seriam em princípio de natureza técnico-administrativa) às conveniências das alianças partidárias. A cada eleição (na verdade, a cada ciclo político, o que significa de dois em dois anos), o chefe do Executivo (re-) negocia com os partidos que pretende atrair para a sua base de sustentação as áreas administrativas que ficarão sob a influência de cada um deles.
A substituição dos detentores de cargos de responsabilidade afeta negativamente a continuidade administrativa. Nenhuma repartição pública pode funcionar com um mínimo de eficiência se submetida a frequentes reformas em seu corpo gerencial.
3) Desestímulo à formação de um corpo funcional no Estado que seja comprometido com o interesse público. Observe-se que a rotatividade de cunho partidário, que hoje constitui a regra no Brasil, não se limita a pessoas de fora das carreiras públicas – embora esse seja um grave problema na virtual totalidade dos municípios e em grande parte dos estados, ao passo que no Executivo federal os cargos comissionados ocupados por pessoas de fora do Estado tenham diminuído gradualmente desde a década de 1990.
O agente público de carreira sabe que, se não se associar a algum partido político, verá grandemente diminuídas as suas possibilidades de ascensão profissional.
Em outras palavras, a liberdade de nomeação desmoraliza o princípio da promoção por mérito e desestimula a formação do agente de carreira. Produz-se com isso um corpo funcional no Estado cujo comprometimento primário não é público, mas partidário.
Outra vez, isso é incompatível com a eficiência do Estado.
4)Estímulo à corrupção. Conforme se noticia continuamente, a ocupação partidária da administração dá lugar à formação de verdadeiras quadrilhas montadas nos órgãos públicos, dedicadas à montagem de fraudes de toda espécie, é claro que sempre com a cumplicidade de grupos privados.
Embora a imprensa se dedique a noticiar esse tipo de problema no Executivo federal, a situação nos estados e municípios (escassamente noticiada, conforme a Transparência Brasil sempre aponta) é ainda pior, fato que a falta de noticiário só estimula.
5) Desestímulo ao aperfeiçoamento dos mecanismos decisórios do Estado. Como quase todo o corpo gerencial dos órgãos públicos é montado de forma a empregar apaniguados políticos e/ou direcionar ou distorcer decisões para angariar dinheiro fraudulento, não existe estímulo para o diagnóstico das ineficiências dos processos decisórios e sua consequente transformação. De forma muito generalizada no Brasil, os titulares dos principais órgãos são os últimos a ter interesse na reforma dos processos administrativos tendo em vista uma maior eficiência, pois isso implicaria melhores condições de controle da corrupção. É o exato contrário do que querem inúmeros desses titulares.
Dado que a liberdade de nomeação é grande geradora de ineficiência e de corrupção, e considerando-se os prejuízos institucionais que enseja, sugere-se então que o Congresso promulgue emenda à Constituição limitando esse poder.
Provavelmente tal limitação não poderia ser imposta de súbito, exigindo algum escalonamento temporal. É evidente que o grau de limitação precisaria ser determinado por meio de avaliações e diagnósticos metodologicamente firmes.
Uma transformação dessa natureza, caso adotada, precisaria ser acompanhada de outras transformações, tanto legais quanto administrativas. Principalmente, a redução do papel dos agentes políticos na administração não poderia ocorrer sem que se tomassem medidas compensatórias para vigiar com mais intensidade as decisões dos agentes públicos. Além dos organismos de controle institucionais existentes (Controladorias, Corregedorias, Tribunais de Contas) e da ativação do papel fiscalizatório do Legislativo que a medida proposta pretende estimular, seriam necessárias medidas ulteriores.
Entre estas podem-se citar o aperfeiçoamento dos mecanismos de seleção e promoção de agentes públicos e a institucionalização de mecanismos sistemáticos e uniformes de avaliação de processos decisórios.
Evidentemente, as presentes considerações estão longe de pretender esgotar o assunto, tendo sido expostas na esperança de interessar Vv. Excias. na abordagem da questão.
Com os cumprimentos da Transparência Brasil, despeço-me,
Atenciosamente,
Claudio Weber Abramo
Diretor executivo
Fico pensando, como seria interessante um vereador de Resende, um de Itatiaia, um de Porto Real, um de Quatis, um de cada cidade da região começar a dar o exemplo e elaborarem uma lei que limita e moraliza essas nomeações que atualmente incham as prefeituras com pessoas, que na maioria das vezes, não fazem nada a não ser mamar na teta dos cofres públicos que nós alimentamos com muito suor. Sonhar não custa nada, mas é bem verdade, que os vereadores preferem dar nomeas às ruas, homenagear pessoas de famílias grandes de olho nos votos, ou criar dia da unha encravada do que tentar moralizar essa questão. Vida que segue!
Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br

