Uma conta

No meio do caminho tinha uma conta. Peço ao poeta que não me leve a mal por me apropriar de forma tão sinistra e cotidiana do seu verso, mas quando um sujeito encontra uma conta ainda não paga no meio do caminho ele tropeça, cai e se suja de lama. E o mais difícil é compreender que a conta não é como a pedra. Pois essa se poderia pegar e atirar longe, com raiva e alívio. De forma que o corpo se sentisse vingado e a respiração ofegante demonstrasse o ato vigoroso.

É dolorido perceber que contas não são como pedras. Antigamente eram feitas de papel. Então podiam ser amassadas e atiradas; e que catarse! Tudo bem que não iam muito longe, pois por natureza a circunferência ficava leve. Mas era uma demonstração de fúria. Agora as contas são enviadas, por SMS ou por e-mail. Deletar é possível, mas elas voltam. A modernidade lhes deu outro formato: são bumerangues macabros com códigos de barras voadores.

No meio do caminho tinha uma conta. Eu abaixei e paguei. Depois tive que levantar e seguir, no entanto me incomodou uma dor nas pernas, outra nas costas, outra nos olhos. Não fui ao médico.

Suspeito que gastar todo mísero salário pagando contas cause até mal a saúde. Mas sobre isso não há Ministério que nos advirta!

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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