Crônica de chuva

Agora que chove eu aproveito para ter o respaldo dos homens que durante a chova só poderiam escrever uma crônica. Posso cantarolar as goteiras do telhado da varanda. E também não poderia escapar o pio de filhote esquecido que ouço de um pássaro no jardim. A chuva silencia o mundo e as pessoas falam consigo mesmas. Querem saber o que deveriam fazer para elas mesmas. Sim, o momento de uma chuva forte que corta o ar com a voracidade do que é muito vivo, é a oportunidade de todos saberem que são únicos. Fato esse que possibilita ter instantes para se perguntar: “Agora. O que vou fazer pra mim agora?” Uns vão tomar banho. E como lá fora cai chuva, ninguém notará o barulho do chuveiro. Outros vão para a varanda e ninguém notará sua ausência. Há até aqueles que irão procurar algo no quarto, não para arrumar e sim para mexer nas coisas lembrando-se de outras coisas. Agora que chove os cachorros aproveitam para dormir e as árvores para sorrir. Mas no céu não há mais pássaro tampouco estrela. As pedras molhadas parecem ocorrências orgânicas. E o carro estacionado na rua até brilha de tão convincente ou convencido (fico com uma dúvida que não é ligeira).

Mas, como devemos saber, é chuva de verão de forma que sua natureza não é duradoura. Eu mal tenho tempo de achar que devo terminar a crônica. O estio me apavora! O canto do pássaro me esmaga os dedos, o banheiro vazio me alaga os olhos; perdi meu eu mesmo e alguém pergunta: “Vamos jantar?”. Vamos sim.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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