Mães relatam a dura rotina de jovens autistas em plena pandemia

Lucas (à esquerda ao lado da mãe Bruna) e Robson Júnior sofrem com a rotina do “novo normal” imposta pela pandemia

Nesta sexta-feira, dia 2, é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Crianças, jovens e adultos com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou Síndrome de Asperger, assim como as pessoas com outros tipos de deficiência, são os que mais sofrem com a questão das mudanças na rotina ocasionadas pelo coronavírus. Depois de um ano da classificação da propagação da doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como pandemia, o jornal BEIRA-RIO voltou a entrevistar a dona de casa Bruna Diniz, mãe de Lucas (que tem Asperger), de 20 anos, um dos alunos do programa Gente Eficiente. A mãe foi entrevistada ano passado pelo jornal pouco antes da pandemia, e Bruna relata as dificuldades que a família vêm enfrentando atualmente.

– Lucas hoje está somente em casa, com a pandemia tudo ficou muito difícil, descobrimos que ele perdeu a audição e está usando aparelho auditivo. Tudo muito complicado, sobre as instituições elas estão desenvolvendo atividades pela internet gravadas, porém não tenho conseguido êxito com Lucas nessa questão, ele está muito resistente em relação as atividades online – relata a mãe.

O problema auditivo foi descoberto há três anos, segundo a dona de casa. “Fizemos um exame de audiometria e mostrou uma perda, porém o médico falou que só poderia acompanhar, não teria mto o que fazer. Do ano passado pra cá começamos a notar algumas alterações, volume de TV mto alto, coordenação motora ruim, as vezes estávamos de frente para Lucas e ele não compreendia. Voltamos ao médico, fizemos novos exames e mostrou que a perda evoluiu. Do lado esquerdo já não escuta nada, e do direito está evoluindo do mesmo jeito”.

Bruna cita que o problema é ocasionado por uma perda neurosensorial. “Não há muito o que fazer, o médico recomendou o uso do aparelho auditivo para estimular e ver se pelo menos estabiliza a perda”, acrescenta.

Outro fator, conforme relatado pela mãe, pode ter contribuído com as dificuldades de adaptação de Lucas ao ensino online. “As atividades do Gente Eficiente estão paradas, houve a troca de diretora e isso também deixou Lucas bem triste. Ainda mais porque a Zuleica (Fiorentino, coordenadora do Gente Eficiente) estava a frente do programa há 10 anos e ele não tem interesse pelas atividades por vídeos”.

Ainda que a família não tenha enfrentado problemas com os vizinhos devido a condição do jovem, Bruna relata que tanto o filho como os colegas com deficiência estão com dificuldades de se adaptar ao “novo normal”. “O mais difícil mesmo é a questão deles (dos usuários) em casa, sem poder sair, sem poder ter a rotina, isso é bem difícil pois eles não entendem muito”.

Em relação aos cuidados com a transmissão pela covid-19, por trabalhar dentro de um hospital particular como técnico de raio-x e tomografia, o marido de Bruna foi infectado pela doença no mês de dezembro e teve apenas sintomas leves. Por sorte, o filho não chegou a ter a covid-19, pois Lucas havia viajado para o Rio de Janeiro para passar uns dias com uma tia. Mas utilizar a máscara também não foi tarefa das mais fáceis para a adaptação do jovem. “No início foi muito difícil, agora ele está aceitando (a máscara) quando precisamos sair”, cita.

As dificuldades de adaptação, no entanto, não têm impedido que Bruna converse com o filho sobre a pandemia. Além disso, ela conta que Lucas vem acompanhando as notícias na TV e que “ele reza todos os dias e nas orações pede pelo mundo e pelo fim da doença”.

A pandemia também mudou radicalmente a rotina de outra mãe de autista. Marisa de Almeida Soares Siqueira, mãe de Robson Júnior, autista de 14 anos, revela que o filho deixou de ter uma vida repleta de atividades na escola regular na parte da manhã, e todos os dias com participações em projetos terapêuticos na parte da tarde, incluindo o programa Gente Eficiente, para um total isolamento social, sem nenhuma interação e sem escola após a explosão de casos da covid-19. “Ele recebe online atividades pedagógicas e terapêuticas dos professores do projeto no grupo de pais, mas dificilmente demonstra interesse por já estar fadigado sem suas rotinas diárias há um ano. Pessoas com autismo precisam de estímulo e cuidados especiais por toda vida”, diz Marisa.

Ela fala das dificuldades que seu filho vem enfrentando. “Está muito difícil lidar com as crises de ansiedade por tanto tempo ocioso, estamos investindo na caminhada e estimulando na natação o ensinado a nadar já que ele ama água e praia. Já teve um grande avanço, está mergulhando sozinho”.

A mãe ainda cita que a exemplo de pessoas normais, Robson teve que ficar em casa cumprindo isolamento. “Ele teve que ficar em casa cumprindo o isolamento social total, pois os autistas não têm noção que estamos em uma pandemia sanitária mundial e por terem crises sensoriais, não conseguem usar a máscaras para se proteger contra o covid-19. Ou seja, está sem escola e terapia desde o início da pandemia, que ele tanto precisa para estimular e conquistar desenvolvimentos. Sem poder frequentar a escola e centros terapêuticos a regressão é inevitável, nós mães estamos tendo que nos reinventar todos os dias para estimular nossos filhos com autismo”, acrescenta.

Marisa também aproveita para criticar a atitude das pessoas que desrespeitam as regras de distanciamento social e o uso de máscaras.

– A falta de bom senso e o respeito as regras sanitárias como o uso da máscara e distanciamento social por parte de vizinhos, familiares e sociedade infelizmente é uma realidade triste que faz com o que as mães decidam em manter nossos filhos totalmente isolados em nossos lares para protegê-los da falta de bom senso e da falta de amor ao próximo. Assim optamos por deixar nossos filhos presos em casa, e temos que optar por ficar presos em casa junto com eles, pois afinal se nós, mães, nos contaminarmos, contaminaremos nossos filhos com deficiência e isso foi nossa maior preocupação, pânico e ansiedade pois, se nós, mães dos autistas formos contaminadas pelo covid-19 quem cuidará dos nossos filhos com deficiência permanente que necessitam de cuidados especiais todos os dias pro resto da vida? – desabafa Marisa, que não teve nenhum caso de contágio do vírus na família.

Como defensora da causa dos autistas, ela se preocupa com a falta de rotina para essas crianças e jovens. “Vejo (essa situação de pandemia) de uma forma crítica, pois nossos autistas não terão acesso a vacina que previne contra a covid-19, ou seja, enquanto existir a doença nossos filhos ficarão trancados dentro de casa, é uma situação dramática e traumática para nós mães de crianças e adolescentes com autismo pois sem vacina não poderão voltar a sua rotina como escola, terapias e convívio social”, conclui.

Fotos: Divulgação

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