O poeta

O poeta é esse vagabundo. “Mas ele não vai fazer nada?” pergunta um sujeito para outro sujeito. Demora-se uma hora na padaria, esse poeta vagabundo, que chega a pedir mais uma xícara de café. Por bem há uma diferença de natureza entre o café e os sujeitos e assim a fumaça sobe da xícara sem julgar o olhar turvo que procura a palavra. “O trabalho dignifica o homem!” Exclama sonoro um senhor que acaba de pagar o pão com manteiga comido. Sai em seguida e vai trabalhar. O poeta sabe que precisaria ser imune a essa doença contagiosa, moralmente anti-poética. Contudo as flechadas são fortes e lhe alcançam em cheio. O poeta não é uma espécie de Aquiles. Tampouco tem somente um calcanhar de fragilidade.

O poeta vê que a mesma sociedade que lhe execra é aquela que jamais sobreviveu sem ele. Não há povo sem poeta. Embora haja grupos que não o admitem em público. “Foi o poeta que nos atrasou a todos.” Afirmou outro sujeito, esse queria salvar a humanidade. É que esse poeta, vagabundo e vivo, não quer salvar para ter quem lhe repita em atos o que ele diz. Porque assim, ele apenas falaria. Mas falar não é apenas. Falar é fazer e continuar fazendo o novo de novo é criar.

Se o poeta fosse publicitário, quantos outdoors preencheria com frases de sucesso! Se fosse homem de palanque quantos votos subscritos no seu número eleitoral! Se fosse salvador quanta dor!

O poeta só quer fazer poesia. E beber seu café sem pressa.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

Foto: Reprodução/Pixabay

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