Retratos da Semana

A AVÓ E SEU ORGULHO
A senhora de cabelos brancos sentada à janela do ônibus tira da bolsa um envelope azul. É um convite que ela abre, mas não parece ler. Apenas admira. É a formatura de Rodrigo, certamente, seu neto que agora será médico. Aparece a foto do rapaz ladeado por duas mulheres, possivelmente mãe e irmã. Namorada talvez. Ao fundo, o Pão de Açúcar. Não sou um curioso tão bom em detalhes. Eu estava de pé no ônibus e fui indiscreto ao bisbilhotar mais para ser educado com a simpática senhora. Ela com certeza já lera o convite e agora queria mostrar a mais alguém, a meros desconhecidos, que o seu neto se formara. É agora um doutor. Seu olhar não escondia o orgulho que aquecia seus espírito naquele momento e saltava pelos olhos risonhos. Não era um olhar de quem lê um convite. Percebi sua satisfação, e, cúmplice daquele silencio, também sorri por dentro. O ônibus da São Miguel parou e eu saltei na avenida Marechal Castelo Branco, em Campos Elíseos. A senhora seguiu na condução, com seus cabelos brancos e seu orgulho de avó

APLAUSOS FORA DO LUGAR
A sensação deveria ser de alívio, quando aquela senhora, em Valença se viu livre do risco que corria ao ser tomada como refém pelo assaltante morador de Itatiaia. Mas não foi o que se viu. Quando os agentes da Policia Militar atiraram e mataram o jovem para defender a senhora, o que se ouviu foram sons de regozijo, aplausos e coisas do gênero. Entre aquelas pessoas certamente se encontravam cristãos. Gente que até frequenta igrejas. Mas não pareciam muito diferentes daqueles que se divertiam quando viam cristãos serem devorados no Coliseu romano. Ou mesmo quando autorizavam gladiadores a ceifarem a vida de seus oponentes vencidos e entregues. Passaram quase dois mil anos. O que mudou? Claro que a visão de um bandido submetendo uma idosa, a usando como escudo humano, é revoltante. No momento o que se quer é uma solução para o martírio da vítima. Os PMs estavam trabalhando, claro, e naqueles instantes voláteis não há tempo para reflexões mais profundas. Não há como culpá-los. A decisão é imperativa e urge ser tomada. A prioridade é garantir a vida da refém. Essas coisas acontecem na guerra cotidiana nesses nossos tempos. Os próprios agentes da Polícia Miliar em algum momento talvez reflitam sobre tirarem uma vida. O jovem tresloucado estava perdido mesmo. Mas certamente tem mãe, ou tia, ou madrinha, ou irmão, ou filhos. Sempre é doloroso. Mas não mais do que imaginar que uma cena triste, traumática e violenta possa ser vista como algo digno de aplausos. Podem dizer: “Mas foi um ato reflexivo, as pessoas não pensaram, apenas reagiram”. Não deixa de ser preocupante. É um reflexo condicionado. A que?

BENDITO O QUE SEMEIA LIVROS À MÃO CHEIA (Castro Alves)
Luciano, proprietário do sebo e livraria ‘Gregos e Troianos’ foi na manhã de sexta-feira, dia 7, à delegacia de Polícia Civil de Resende registrar uma ocorrência. Na véspera, alguém que, certamente, não tem o equilíbrio emocional ajustado, entrou no estabelecimento e o agrediu com palavras, derrubou estantes, livros, etc. Uma violência inconcebível. O agressor teria demostrado ser um eleitor do presidente eleito Jair Bolsonaro. Luciano é reconhecido como uma pessoa simpática a uma filosofia contrária a professada pelo ex-capitão, que prefere distribuição de armas em vez de livros. Alguém que como deputado votou a favor do projeto do governo Temer de congelar por 20 anos os investimentos em educação e saúde. Um político que como deputado por quase trinta anos representando o Estado do Rio de Janeiro não fez nada que pudesse coibir ou amenizar o clima de insegurança vivido pelos fluminenses. Mesmo sendo ele um boquirroto em falar pela Segurança pública. O que o tal desequilibrado eleitor, sem leitura, despreparado para viver numa sociedade democrática fez, foi o que já vem fazendo alguns imbecilóides que se sentem autorizados pela performance e verborragia inconsequente de Bolsonaro e família. É preciso avisar ao idiota que a eleição acabou. E que eles até venceram. Será que a ‘Cidade Gentil’, dos versos de outro poeta, o Pistarini, no belo hino a Resende, já pode ser entendida como coisa em desuso e obsoleta? Tomara que não. Tomara que o episódio lamentável seja apenas um fato isolado por aqui.

Foto: Marco Moscarelli/Reprodução

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