Assalto a casa do poeta

O poeta estava em casa quando o interfone soou. Eram um rapaz e uma moça interessados em entrevistá-lo. Queriam conhecer o poeta que sequer o poeta conhecia.

Foram recebidos. E assim que entraram anunciaram o assalto. As expressões dos jovens mudaram, endureceram. Porém o poeta os olhou sentou-se e disse: Que interessante! Sem dúvida os jovens nada entenderam. E rispidamente perguntaram sobre jóias, cofre, dólar, Apple, Armani. Mas, para desespero deles o poeta não possuia nada disso. Cheque, cartão de crédito. O poeta usava apenas débito em conta corrente e com um limite de saque que não valia o sequestro pela calçada.

Os jovens estavam claramente decepcionados. O poeta pensou em discursar contra as elites e o consumismo quando percebeu o choro da assaltante. Foi quando chamou ambos para o maior quarto da casa, feito de biblioteca. Quis ser generoso, não piedoso. Pediu que sentassem e foi retirando livros das estantes. Edições raras. Entregou-lhes um a um fazendo breves comentários. Amar, verbo intransitivo; A rosa do povo; O príncipe; Jubiabá; Memórias do cárcere; Agosto; O senhor embaixador; O que é isso, companheiro?; As veias abertas da América Latina.

Perguntaram, interrompendo as buscas, se os livros valiam dinheiro. Mas é claro que sim, respondeu o poeta que continuou: Pantaleão e as visitadoras; O jogo da amarelinha; Música em Cuba; gringo velho; O general em seu labirinto…

Quando se virou uma vez mais viu que os jovens se levantavam e falou: Somos diferentes. Mas não somos inimigos. Ao contrário. Devemos nos unir e lutar contra aqueles que querem apagar nossas singularidades e assim nos dominar com mais eficiência.

Os dois se foram. Continuavam assaltantes. Entretanto, agora, roubavam livros.

Foto: Ilustração

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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One thought on “Assalto a casa do poeta

  1. Caro leitor, a história acima vivida pelo Poeta é atípica porque não acontece muitos episódios dessa maneira. Ladrões do interior é diferente da cidade grande como o rio de janeiro, jamais bandidos perdem tempo ouvindo lamúrias, histórias ou desabafos da vítima. O que aconteceu foi que os bandidos podem ser ladrões avulsos, não dependentes de faccção criminosa, portanto não devedores da “boca de fumo”. O Poeta não teria a mesma sorte se fosse no rio de janeiro ou são paulo, onde bandidos enfurecidos estão dispostos a matar ou morrer. Particularmente, não acredito em sorte ou azar, mas o fato é que o Poeta deve ter sido ameaçado por indivíduos desesperados, porém dotado de algum sentimento pelo outro. Casos assim não se repetem e da próxima vez nada adiantará o Poeta oferecer livros porque corre o risco de estar diante de bandidos “analfabetos” e, frustrado, pode ceifar sua vida – é melhor não contar com a “SORTE”.

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