Os sujeitos mais estranhos

Dizem que aquele homem está louco. Gesticula, se descabela, o dedo em riste, os olhos esbugalhados. Perdeu a paciência e por isso esbraveja: Chega! Chega! Eu já te avisei!

A realidade é pesada tal como uma laje. Isso, a realidade é feita e calculada para sustentar alguns degraus de mundo. Aquele homem continua lá na calçada reclamando de alguém que eu não vejo. Não estamos eu e ele no mesmo andar de realidade. O que também não significa que eu esteja em um patamar superior. Mas vejam vocês que ontem eu li um poema do Tiago de Melo (você já leu um poema do Tiago de Melo?) e também me pareceu que ele via coisas que eu jamais vira. Por uma página eu segurei na mão do poeta e subi até o seu andar. Não sei o número, não tem botão, não é pelo elevador que se chega lá. O poeta é aquele homem que está louco na página do livro. Na calçada é um homem: antipático, tímido, concentrado, preocupado, sorridente, voluntário.

Agora aquele homem que dizem estar louco caminha. Também o poeta, os loucos e os são, todos caminham. Eu não sou doutor, mas suspeito que a cabeça não seja o ninho da loucura. O coração, um acidente, um abandono. É tanta coisa que endoida uma pessoa que a cabeça parece mais um carocinho pequeno e envergonhado diante do tamanho da miséria e da humilhação que um corpo pode sofrer.

Não me desatino com o poeta ou o homem que dizem estar louco; e nunca vi sujeitos mais estranhos que aqueles capazes de prometer jamais sair do térreo.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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