“Estamos com medo de acontecer muitas mortes por falta de medicamentos”, diz representante dos autistas em Resende

Roseli tem enfrentado muitas dificuldades para que o filho Fábio, de 9 anos, tenha atendimento adequado

Atualizada em 29/05/2018

Mães desabafam e pedem ajuda para manter direitos dos filhos deficientes. Faltam cuidadores nas escolas municipais e principalmente recursos para manter todas as atividades e atendimentos necessários às criança e também jovens e adultos portadores de deficiência em Resende. Há duas semanas, o BEIRA-RIO entrevistou quatro mães, entre elas duas que possuem filhos especiais. Uma delas  pontuou a falta de cuidadores para o filho de 4 anos, que tem Síndrome de Down, e que por esse motivo deixou de frequentar a escola. E ela não é a única a sofrer com os cortes feitos a programas que visam o desenvolvimento de crianças.

A Prefeitura vem sendo criticada por outras mães que moram no município. Uma delas é a dona de casa Roseli Aparecida Cardoso, mãe de Fábio, de 9 anos, que tem Síndrome de Down. Natural de São Paulo, passou a morar em 2015 na região depois que um irmão – que também é deficiente – não quis retornar para a capital paulista após a morte da mãe. Ambos optaram por morar na casa da família em Resende.

Dessa forma, além de cuidar do irmão – que sofre de um leve retardo mental e prefere não frequentar os programas voltados a deficientes na região – tem lutado para garantir um atendimento adequado ao filho, que estuda pela manhã na Escola Sagrado Coração, quatro vezes na semana; é atendido à tarde na Pestalozzi às segundas e terças; e também no programa Gente Eficiente. Ela fala dos problemas com a alta rotatividade na contratação de cuidadores para os alunos com deficiência para as escolas municipais.

— Desde que passamos a morar em Resende, somente em 2016 o Fábio teve três cuidadores diferentes. Depois, ele passou a não ter mais cuidador efetivo, apenas monitores. Descobri que aqui há uma demanda grande dessa necessidade, pois não se cumpre com eficiência a questão dos cuidadores, denuncia a mãe, que destaca o problema dos cortes no programa Gente Eficiente, voltado para o atendimento de jovens e adultos com deficiência. “Meu filho deixou de fazer a maioria das atividades, pois faltam professores para atividades físicas e música, por exemplo. Meu filho só consegue fazer o reforço pedagógico e psicológico às terças-feiras. A Secretaria de Educação também não tem enviado profissionais para o programa alegando falta de recursos. O programa só se mantém de pé graças ao trabalho da Zuleica (Florentino, coordenadora do programa)”, acrescenta.

Roseli revela que enquanto esteve morando em São Paulo, o filho Fábio teve um desenvolvimento normal dentro de suas necessidades. Mas que esse desenvolvimento regrediu em relação ao aprendizado escolar nos últimos anos, com a vinda para Resende. “Quando o Fábio era pequeno, ele conseguiu se desenvolver normalmente. Nunca fez xixi na cama, largou a fralda e a chupeta na mesma idade que uma criança normal, e conseguiu aprender muita coisa no período do ensino pré-escolar, a identificar cores e formas. O progresso no aprendizado da pré-escola foi praticamente todo perdido ao chegar aqui, pois a deficiência dele exige um estímulo constante pra aprender, e isso acabou não acontecendo da forma adequada em Resende. Só não ficou pior porque mesmo com as dificuldades, eu continuo colocando meu filho nesses locais para continuar a sociabilização dele, para conviver com as diferenças e ao mesmo tempo com outras crianças com Down”.

Mesmo com as dificuldades enfrentadas no atendimento, Roseli ainda vê pouca mobilização entre outros pais de crianças e jovens portadores de deficiência em Resende. “Em 2015, entrei com uma ação individual no Ministério Público e outro em 2016 pela Defensoria Pública (ambos os órgãos do Estado do Rio de Janeiro). E neste ano, com outra coletiva na Defensoria Pública. O número de pessoas com algum tipo de deficiência é grande, mas consegui apenas 14 assinaturas, sendo 10 de pais com filhos autistas e outros tipos de deficiências. E outras quatro, apenas isso, de pais de filhos com Síndrome de Down. Entre os pais de crianças deficientes, eu sou uma dos poucas mães que bate de frente com os órgãos públicos. No caso dos autistas, os responsáveis são mais unidos”, completa.

Pesquisa de Informações Básicas Municipais de 2014 revela que prefeituras não promovem políticas de acessibilidade, tais como lazer para pessoas com deficiência (78%), turismo acessível (96,4%) e geração de trabalho e renda ou inclusão no mercado de trabalho (72,6%).

REPRESENTANTE DENUNCIA ATENDIMENTO PRECÁRIO

Marisa, mãe de Robson, 11 anos, também é membro dos Conselhos Estadual e Federal da Pessoa com Deficiência

Outra mãe vem acompanhando de perto os problemas enfrentados pelas mais de 7 mil pessoas (registros oficiais do IBGE, 2010) com deficiência em Resende com os serviços oferecidos pelo administração municipal. Membro do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, Marisa de Almeida Soares Siqueira aproveitou a última reunião dos membros do Conselho Municipal de Saúde, realizada dia 15 deste mês, para denunciar a infraestrutura precária dos serviços oferecidos aos deficientes, e que pioraram desde o início da atual administração. Uma delas se refere a falta de medicamentos de uso contínuo.

— É um descaso e desrespeito total à pessoa com deficiência aqui no município. Tive que denunciar porque estamos em uma fase muito crítica, e com medo de acontecer muitas mortes por falta de medicamentos que vêm deixando de ser repassados. Esse problema acontece desde o ano passado, e mesmo entrando com uma ação no Ministério Público e voltando a ter o repasse, o problema se repetiu no começo deste ano – relembra a representante, citando que mais uma vez foi encaminhada ação no MP.

Marisa cita que existem vários medicamentos em falta, sendo o Rispiridona e o Depakene os dois mais utilizados para o controle de convulsões e outros sintomas como déficit de atenção, e que muitos usuários são totalmente dependentes deles para se manterem vivos. Ela conta que sempre quando questionou a Secretaria de Saúde, a resposta é a mesma: o repasse depende da realização de um processo licitatório na escolha da empresa que fornecerá os medicamentos.

— Esses medicamentos no mercado não ficam por menos de R$ 300 a R$ 400 por mês, e sua compra depende da idade, do peso e até da gravidade da deficiência. Eu tenho um filho de 11 anos, que é autista e depende apenas desses dois remédios, mas existem pessoas que tomam 10 diferentes tipos de medicamentos. Um desses casos é de um jovem que está há dois meses sem as medicações, e a mãe quase não dorme de tanta preocupação de perder o filho. Aliás, temos inclusive mães sofrendo com problemas de saúde ocasionados pelo estresse e ficando tão dependentes de medicamentos quanto os filhos. Várias delas infartaram, inclusive a Roseli, que precisou de uma cirurgia.

Outra denúncia de Marisa se refere a inclusão escolar dos deficientes. “Cito também o caso da Roseli em relação a questão dos cuidadores nas escolas municipais, um direito conquistado pelas pessoas com deficiência na luta pela inclusão social, mas que Resende sempre ficou devendo no atendimento à demanda, pois constantemente faltam pessoas qualificadas nessa área”, acrescenta a presidente, não esquecendo de citar outros dois programas.

— Temos um projeto no Tobogã, o Gente Eficiente, que atende mais de 320 pessoas com todos os tipos de deficiência, de intelectuais a aquelas com deficiência física e até mesmo visual. O programa atende pessoas de 4 a 78 anos, e hoje só temos aproximadamente cinco profissionais atuando lá. O único repasse recebido por eles até hoje consta em R$ 3 mil que mal dá para as necessidades, só mesmo para materiais de higiene. Sorte que a gestora deste programa (a coordenadora Zuleica Florentino) é uma pessoa maravilhosa e tem realizado eventos, promovido doações de materiais e venda de lanches para manter a estrutura. Isso é vergonhoso, é um descaso.

Outro centro de atendimento voltado aos autistas, inaugurado no ano de 2014, também sofre com esse descaso. “Desde que inauguramos o Cemear (Centro de Atendimento ao Autista de Resende), nunca tivemos profissionais como fonoaudiólogos, muito menos terapeutas ocupacionais e psicólogos para os usuários. Nem mesmo os pais dos autistas possuem um acompanhamento de terapeutas e psicólogos, já que precisam lidar para o resto de suas vidas com as deficiências de seus filhos”, completa Marisa, que também é presidente e fundadora da Associação dos Amigos dos Autistas de Resende (Amar).

GENTE EFICIENTE PODE SER INTEGRADO A SECRETARIA

Programa Gente Eficiente também sofre com falta de profissionais e recursos

A equipe do jornal BEIRA-RIO esteve na última sexta-feira, dia 18, na sede do programa Gente Eficiente, dentro do Parque Tobogã, para entrar em contato com a coordenadora Zuleica Florentino. Ela confirmou que, de fato, o programa passou por dificuldades devido ao corte de profissionais de ministravam aulas aos usuários do programa. “Entramos em contato recentemente com a Secretaria de Educação e mostramos a nossa situação. Eles nos orientaram a regularizar toda a situação do programa, pois pretendem inclui-lo na Secretaria para que possamos receber os recursos também repassados a outros programas e escolas integrados à pasta. Mas ainda assim, a Secretaria está cedendo seus profissionais para retomarem as atividades que estavam paradas”, responde Zuleica. O programa atende cerca de 300 pessoas com deficiência, sendo que desses 185 frequentam regularmente as atividades.

O jornal também tentou entrar em contato com a Prefeitura de Resende, mas não obteve nenhuma resposta sobre o assunto, nem em relação a falta de profissionais no Cemear ou a falta dos medicamentos. No site da Prefeitura de Resende, constam informações de que a licitação citada na reunião que Marisa participou será feita porque há ordem judicial: será um “Registro de Preços de aquisição de medicamento para atender munícipes por mandado de citação judicial, através da Secretaria Municipal de Saúde – FMS”, que será realizada por meio de um pregão eletrônico, no próximo dia 30, a partir das 14 horas.

A coordenadora da Assistência Farmacêutica, da Secretaria Municipal de Saúde de Resende, Debora Camoleze, em contato com o jornal BEIRA-RIO informou que o medicamento Depakene já tem estoque normalizado para os usuários cadastrados. Já o Rispiridona encontra-se em fase de licitação.

Foto de capa: Reprodução/Amar

Você pode gostar

One thought on ““Estamos com medo de acontecer muitas mortes por falta de medicamentos”, diz representante dos autistas em Resende

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O limite de tempo está esgotado. Recarregue CAPTCHA.