Essas mães muito especiais

Quatro mulheres, moradoras em um mesmo condomínio no bairro Parque Minas Gerais, enfrentam as dificuldades do dia a dia da mesma forma que seus vizinhos. E nesta semana, elas são destaques de uma matéria especial do jornal BEIRA-RIO para o Dia das Mães, comemorado neste domingo, dia 13.

Além de serem moradoras do Condomínio Gardênia, elas também possuem em comum o fato de serem mães muito especiais, seja pelo fato de terem filhos deficientes ou elas próprias terem algum tipo de deficiência.

Como se não bastassem todas as dificuldades dos moradores que vivem nos novos condomínios da região da Barra III (além do Gardênia, no local também fica o condomínio Tulipa, onde o jornal esteve ouvindo moradores que reclamavam do transporte), as quatro mães também precisam superar os obstáculos impostos às pessoas que precisam conviver diariamente com a própria deficiência ou de algum familiar próximo. Confira as quatro histórias abaixo:

Na foto, da esquerda pra direita: o pai Fábio, a filha Vitória, Paulo César, Eliane e o caçula Paulo Vitor (Foto: Arquivo de Família)

SEM CUIDADOR NEM VALE TRANSPORTE
Nos últimos dias, a autônoma Eliane Inácia Rodrigues luta para conseguir carregar o vale transporte do filho do meio, Paulo César Nogueira, de 4 anos, que tem Síndrome de Down. “Desde abril estou tendo problemas com o cartão do meu filho, sou obrigada a pagar a passagem para trazê-lo a Pestalozzi e para as outras atividades da tarde”, relata Eliane.

Paulo César estuda de manhã na Escola Municipal Clotilde Ferreira, que fica no bairro onde mora. “Primeiro levava a minha menina mais velha (Ana Vitória Resende Nogueira, de 6 anos, que estuda no primeiro ano do Fundamental) e depois voltava em casa para buscar o Paulo César e levá-lo para a mesma escola. O problema é à tarde, pois estou com o problema do cartão e ele não tem direito ao transporte gratuito por não ser cadeirante”.

Além de sofrer com o problema do cartão de vale transporte, ainda não solucionado por parte da Viação São Miguel, Eliane só tem conseguido levar a filha pra escola, já que o irmão não vem frequentando as aulas desde a semana passada por falta de cuidador. “O Paulo César ia pra escola três vezes por semana, mas a cuidadora responsável por ele não está mais trabalhando lá. Estou aguardando uma resposta da prefeitura sobre o novo cuidador para que meu filho volte pra escola”, completa.

Para sustentar a família, Eliane – que também é mãe do caçula Paulo Vitor Resende Nogueira, de 1 ano e meio – depende da renda dos produtos que vende como autônoma, como lanches e revendas de cosméticos, da renda do marido, o repositor Fábio Pires Nogueira, fora o benefício recebido por Paulo César (conhecido por Lei Orgânica da Assistência Social – Loas, concedido pelo INSS). Às vezes, os outros filhos acabam acompanhando a mãe na parte da tarde e costumam inclusive ir à Pestalozzi às quartas e quintas.

“FAÇO TUDO PELO BEM ESTAR DELE”
A rotina da ex-vigilante Angélica Coutinho Resende mudou há sete anos, desde que nasceu seu filho mais novo, Nikolas Resende Ferreira (ela também é mãe de uma adolescente de 17 anos). Ela largou o emprego em prol da rotina diária de cuidados ao menino, também com Síndrome de Down. “De manhã, ele estuda na escola do bairro. À tarde, faz terapia ocupacional e tratamento com fonoaudiologia às segundas; às quartas e quintas ele vem para a Pestalozzi e sexta vai pra fono e pra natação”, conta a mãe.

Sem o emprego de vigilante, ela depende da renda da venda de produtos de revenda e de lanches, fora o benefício recebido por Nikolas, para sustentar a família. Ainda assim, as dificuldades enfrentadas por Angélica para cuidar do filho são menores que as apresentadas pela vizinha. “Fico nessa correria, faço tudo pelo bem estar dele, faço isso para deixá-lo o mais independente possível. Quanto mais ele conseguir a independência melhor”, acrescenta.

Angélica destaca que mesmo não conseguindo falar, Nikolas interage e faz amizades com outras crianças. “É uma criança bem amorosa, gosta de ir à escola, de fazer as atividades rotineiras e de brincar com outras crianças”. Ela relembrou uma das amizades feitas pelo filho, durante uma situação de preconceito enfrentada por ele.

– Um dia saí com o Nikolas para passear em uma lanchonete, e ele resolveu se aproximar de outras crianças para brincar. Como não consegue falar, elas começaram a rir dele. Mas uma menina que parecia ser da mesma idade dessas crianças, foi falar comigo que os outros meninos ‘estavam fazendo uma coisa errada’, e chamou meu filho pra brincar com ela. Tudo é questão de como os pais educam essas crianças, felizmente algumas não agem com preconceito”, completa.

No sentido horário: Simone com o filho do meio Natanael; ao lado, Júnior e sua família; abaixo, o filho de Nattally, a caçula, que à esquerda aparece cuidando dele (Fotos: Arquivo de Família)

VIDA MUDOU DEPOIS DA MATERNIDADE
Há 23 anos, a dona de casa Simone Azevedo, hoje com 43 anos, era uma mulher sem quaisquer problemas de saúde até o dia em que teve seu primeiro filho. “Na primeira gestação, quando o meu filho mais velho veio ao mundo, perdi temporariamente a visão, mas depois a recuperei. Na segunda gestação, passei a ter dormência da cintura pra baixo e dificuldade para andar. E na terceira vez que engravidei, minha saúde se agravou e perdi totalmente os movimentos do corpo”, descreve Simone, que tinha surtos constantes nas três vezes em que deu a luz.

Após a última gestação, foi diagnosticada com esclerose múltipla, doença degenerativa e autoimune que ataca o sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais e medulares. “Tive e tenho muito apoio da minha família e amigos, que me ajudaram a superar as fases mais difíceis. Passei a fazer tratamento com medicamentos que amenizam os surtos da esclerose, e a frequentar a escola para deficientes visuais (Cedevir), já que acabei perdendo a visão definitivamente”, relembra Simone, que também perdeu a audição do ouvido esquerdo.

A deficiência visual não impediu que Simone cuidasse dos três filhos, Júnior, de 23 anos; Natanael, de 20 anos, e Nattally, de 18 anos. “Durante todos esses anos, mesmo sem enxergar eu cuidava dos filhos e das tarefas domésticas, mas hoje estão praticamente com a vida encaminhada. Apenas o Natanael mora hoje comigo e está cursando o Ensino Médio”, cita a dona de casa, que tem quatro netos.

O amigo de Simone, José Gomes, um dos integrantes da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais de Resende (Apadevir), fala do convívio de Simone com o único filho solteiro. “O Natanael é muito prestativo e atencioso com ela, tenho que tirar o chapéu para ele”, diz. O filho mais velho da dona de casa, que é industriário, mora em Resende com a mulher e os filhos, e a caçula, que é autônoma, vive em Cabo Frio com o marido e o filho.

Cátia contrariou médico e teve um filho, Jorge Mateus, hoje com 23 anos (Foto: Arquivo de Família)

CONTRARIANDO O MÉDICO
Outra mãe entrevistada pelo BEIRA-RIO convive com a deficiência desde os dois anos, quando foi diagnosticada simultaneamente com duas doenças contagiosas e quase erradicadas no Brasil. “Tive sarampo e catapora ao mesmo tempo, e segundo o médico na época, eu não conseguiria mais andar caso sobrevivesse. A minha situação de saúde era muito crítica”, relembra a aposentada Cátia Maria da Silva, de 46 anos.

As doenças paralisaram os membros inferiores de Cátia, que também sofre de escoliose dorsal. Mas a aposentada, cuja família sempre foi muito humilde, levava uma vida normal, assim como os irmãos. “Mamãe sempre me criou como uma criança normal, me educou da mesma forma que meus irmãos. Quando eu tinha 12 anos tive que aprender a cozinhar para ajudar em casa. Isso tudo sem ter uma cadeira de rodas para me locomover. Mas sempre fui independente pra tudo, até pra fazer minha higiene pessoal”, revela.

As dificuldades enfrentadas pela família fizeram com que Cátia deixasse de realizar muitos sonhos, como ela diz. Um deles de estudar, o que conseguiu somente a partir dos 17 anos. Hoje ela tem o Ensino Fundamental quase completo, e só não consegue completar devido às dificuldades de acesso e por morar em um bairro distante. “Não tenho paciência, só consigo estudar de forma presencial, mas a escola acaba ficando inacessível pra mim”.

Três meses depois de se casar, Cátia teve uma surpresa: descobriu que estava grávida de seu único filho, contrariando o diagnóstico do médico ao realizar os exames pré-nupciais. “Meu médico havia falado que eu não poderia ter filhos. Mas quando eu vi, já estava grávida e assustada. Mas a minha família e a minha ex-sogra me ajudaram na criação do Jorge Mateus, que desde a gestação nunca me deu trabalho. Nem mesmo na educação dele, e olha que eu nunca passei a mão na cabeça de ninguém!”, cita.

Cátia dava toda a atenção ao filho, da mesma forma que outras mães sem deficiência. Levava o filho pra passear no Parque Tobogã, onde depois estudou na escola de Educação Infantil do local; ajudava nas tarefas escolares dele, entre outras tarefas. “Hoje eu nem acredito que depois de anos educando o Jorge Mateus, ele seria o filho que é hoje”, conta orgulhosa Cátia. Atualmente, Jorge Mateus da Silva tem 23 anos e trabalha em uma concessionária de motos em Resende. Mas ainda vive com a mãe, que é separada do marido.

Cena da vida real: as mães Cátia (cadeirante) e Simone (deficiente visual) se ajudam de forma mútua quando saem juntas. Na foto, as duas após entrevista, com o amigo José Gomes, também deficiente visual

MÃE QUER “MAIS INCLUSÃO E MENOS PRECONCEITO”
O jornal BEIRA-RIO perguntou às quatro mães sobre qual presente elas escolheriam para o Dia das Mães caso tivessem essa opção. As escolhas foram variadas. Enquanto Cátia pediu algo mais tradicional como buquê de rosas ou chocolate, e Simone deseja ter a presença de todos os filhos no almoço de Dia das Mães, outras duas mães escolheram outros presentes que refletem as necessidades de seus filhos. “Gostaria apenas que as necessidades do meu filho fossem atendidas adequadamente, que se resolvam esses problemas do transporte e do cuidador”, pede Eliane.

Já Angélica pede por outra necessidade ainda maior para quem tem deficiência. “Eu gostaria que a inclusão social do deficiente funcionasse de verdade, porque na teoria ela é uma coisa, e na prática é outra totalmente diferente. Gostaria que houvesse menos preconceito”, conclui.

 

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