Homem na cidade

Tinha uma hora até que ela ficasse completamente pronta. Uma, cabelo, sobrancelha e alguma outra coisa que faria na pele para limpar ou relaxar (talvez as duas coisas juntas se fosse possível). Podia tomar um café, mas não devia, pois o calor era retumbante, de deixar zonzo! Podia beber uma cerveja, mas desceria tão fácil que não seria uma só e depois ainda teria que dirigir e encontrá-la. Em todo caso, ficar andando pelas ruas do centro da cidade era o que categoricamente não devia fazer.

Entrou no banco. O ar condicionado agradava a pele toda. Entretanto não havia uma cadeira sequer. Era tirar um extrato olhar e olhar fingindo haver dúvida e depois se retirar. Um pouco a frente viu a placa do sexshop! Resolveu entrar, mas não durou nada lá dentro. Sem ar condicionado e com um pedaço de parede donde pendia uma variedade de consolos coloridos que lhe ficavam a altura dos ombros. Saiu. Mais a frente uma funerária. Não. Depois um brechó: escuro, cheio de coisas amontoadas e lá no fundo uma senhora e um gato, ambos cochilando. Não. Na loja de sapatos um deus-nos-acuda. Um homem com um microfone gritando supostas promoções. No bulevar algumas árvores fazendo sombra, todavia também um sujeito gritando e se dizendo o mensageiro do divino. Impossível desfrutar de um daqueles bancos de concreto.

É incrível a capacidade surpreendente do homem de fazer da cidade um lugar com tantos desagrados. Em momentos comuns, quando o homem comum precisa que a cidade lhe ofereça um cantinho para descanso, ele descobre que é o contrário: é a cidade comum, em muitos momentos, quem precisa que o homem lhe ofereça esse tal cantinho com esse tal descanso.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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