Botijão de gás

Foi no dia em que o botijão de gás acabou. Ficaram olhando para o fogão desejando um milagre. Depois foram para o lado de fora e apontaram para o botijão como se tivessem perdido um ente querido. O cunhado ergueu o botijão e pelo peso se demonstrou perito ao declarar: Acabou. Veio o pai e dessa vez o botijão moribundo foi erguido e sacudido; em seguida ele disse: Mas logo agora? Sexta-feira a essa hora da noite? O depósito de gás já fechou e não fazem mais entrega.

Pobre botijão ninguém lhe respeitava a dor de ter perdido todo seu ânimo, todo seu sopro vital. Enquanto tinha o peito pleno de gás natural ficava protegido e assistido. Os adultos gritando às crianças para que ficassem longe dele, que deixassem-no em paz; e até com um roupinha colorida e tropical lhe vestiam.

Veio o tio. Levantou o botijão segurando-o pelas alças e deitou-o no chão. Liga aí, gritou para quem estava na cozinha. Acendeu! Anunciaram de volta lá de dentro. Os outros homens ficaram olhando, até os meninos vieram saber do caso. Agora o botijão deitado agonizava. A chama acesa dentro de casa era seu último suspiro. E o círculo a sua volta formado pelos humanos era o legítimo sinal de sua morte: um corpo forte, porém sem um sopro sequer de gás.

As crianças sugeriram uma fogueira para esquentar a panela de feijão. Os adultos responderam reclamando do cansaço. Fizeram suco, comeram pão e pronto! Perderam a oportunidade de fazer diferente. De esquentar o caldeirão de feijão numa fogueira no quintal, onde todos pudessem ajudar, conversar, se aproximar e não esquecer jamais.

Afinal, dizem que a memória se associa às emoções, aos sentimentos novos e marcantes. E quão inédito e inesquscível seria aquele dia, que a rabujice mais que o cansaço os fizera perder.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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