Outro vilão

Houve um barulho. Descuido amador ao pular o muro baixo repleto de hera. Então o cachorro, que não era grande tampouco de guarda, latiu feito sirene. Acordou as pessoas e a polícia chegou obedecendo a uma única chamada telefônica do bairro nobre.

O rapaz, maior de idade, tinha cara de menino. Praticava um assalto terceirizado, foi o que disse no depoimento. Mal sabia escrever o próprio nome. Já havia trabalhado como carregador de caixotes em um supermercado da cidade. As outras ocupações que tivera foram todas informais, ganhando mixaria e ouvindo “se não quiser pode ir embora.” A vó doente, a mãe viciada o pai desconhecido, cinco irmãos menores a perigo de serem esmagados pela indigência.

— Mas como assim… assalto terceirizado? – Perguntou o jovem delegado imberbe que era sociólogo e advogado.

— Quero trabalhar no tráfico. Na boca. Pra ganhar mais que fogueteiro. Aí me deram essa missão. – Respondeu o rapaz magro e desagasalhado.

É como um rito de passagem, pensou o delegado. Cometer um assalto para demonstrar que é homem e poder assumir um lugar na boca. Vai ganhar seis vezes mais do que se tiver carteira assinada pra carregar caixotes no supermercado… Carteira assinada pela Reforma Trabalhista. – O menino sentado ali na frente o guarda esperando com a chave da cela na mão. O delegado pensava, mas não via saída: Mais um nessas celas sujas e lotadas. Se não prender os jornais e o secretário de segurança caem em cima de mim amanhã. Afinal, a tentativa de assalto foi no bairro nobre. Não posso soltá-lo. O guarda, velho de casa, estava impaciente. Tinham outros seis casos desse a espera.

O delegado fez sinal com a cabeça. O guarda foi arrastando o rapaz.

Somos todos uma engrenagem do maldito relógio. – Pensou consigo antes de outro caso.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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