Carteiro

A Única coisa que essa tarde admite para além de si mesma é o ruído da motocicleta do carteiro. De rua em rua, endereço em endereço. Costurando os quarteirões e exibindo o que temos todos em comum: contas a pagar! O carteiro não tem nenhuma culpa. A companhia de energia elétrica não lhe pertence e o sol não se comove com sua andança.

Pobre carteiro! O que ele oferece às pessoas não é motivo de nenhum sorriso. Foi o tempo em que trazia cartas de um amigo ou de um amor distante.

Na minha infância o carteiro era um episódio andante. Como um espetáculo itinerante que periodicamente surgia pela rua. Conheci uma menina que temia seriamente sua presença. Mote então usado pela mãe para lhe censurar as ações “Vou chamar o Amarelão”, e a menina era capaz de dizer até mesmo uma verdade inventada.

Eu me sentia preocupado. O carteiro chamava pelo nome e a pessoa aparecia. Continha ele um ar de autoridade. Por causa de sua presença vinha a mulher de dentro da casa enxugando as mãos pelas bordas do avental. Vinha o homem levantando o boné e contendo o suor. Para mim ele era a própria geografia que eu começava a estudar na escola. Pois sabia onde ficavam todos os endereços do mundo. Não havia lugar aonde ele não chegasse de bicicleta. E até o Papai Noel recebia de sua bolsa os milhões de cartas que as crianças escreviam.

Hoje ele é o único que ainda chega às ruas sem placa e às casas sem número. E só os cachorros é que nunca acreditam neles.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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