Estamos mergulhando cada vez mais fundo na sociedade do espetáculo

Estamos mergulhando cada vez mais fundo na sociedade do espetáculo onde todos os acontecimentos precisam extrapolar o espaço privado e não podem ser realizados sem o mínimo de ostentação. Estamos vivendo um tempo em que há exposição de tudo. Sou absolutamente a favor da liberdade de expressão. O que não significa que eu precise estar exposta a tudo.

Nada mais é tomado como  natural ou simplesmente parte do processo: tem que virar espetáculo. O sexo do bebê precisa ser anunciado com festa e formação de times que se dividem em torcida para que o bebê seja menina e para que seja menino.  Ainda não sabemos o que os bebês das festas no futuro vão pensar quando se depararem com as fotos do evento e as torcidas organizadas. Mas para isso existem psicólogos bons e acessíveis.

Fotos maravilhosas registram a gestação e o parto. Emocionantes. Claro, se o bebê nascer bem e sem nenhuma intercorrência. As festas de quinze anos (por que é que se comemora essa idade na sociedade atual?) são grandiosas e milionárias; casamentos contam com bateria e componentes de escolas de samba, helicópteros jogam pétalas de flores, mas o futuro casal ainda não tem dinheiro para dar entrada na compra da casa própria.

Dia desses fui convidada para o memorial do pai de uma amiga que faleceu. Eles fizeram um evento onde um mestre de cerimônia apresentou a vida do patriarca, documentada com filmes, fotos, matérias de jornais e revistas. Seus gostos musicais, lugares por onde passou como moradia e como turista, depoimentos emocionados de amigos e familiares. Tudo isso envolto em Prosecco, bons vinhos e muitos canapés deliciosos. Achei bem bacana a forma da homenagem, mas não deixou de ser um espetáculo. E sendo uma família abastada, que espetáculo!

Também vira espetáculo a separação: casais reúnem amigos em um evento para anunciar a separação. Parece civilizado, mas não é. Uma separação por mais que seja desejada pelo casal é sempre muito sofrida e muito traumática.  Melhor seria tratar do assunto com a discrição e privacidade que o acontecimento merece. Aqui vira espetáculo também a nudez do corpo e da alma. As orientações sexuais precisam ser gritadas e afirmadas com arroubos de carinhos explícitos em espaços públicos. As doenças alardeadas como se fossem a última moléstia mortal do planeta; muitas e muitas vezes somente uma gripe mal curada.

Seria bom esclarecer que o importante aqui não é se faz sentido alardear isso ou aquilo e em que contexto. O ponto importante é a deformação das mentes que a Sociedade do Espetáculo causou. Há muitos fatos dos quais não se pode fazer espetáculos. Há muitos fatos sobre os quais pode se construir narrativas, fatos sobre os quais pode-se construir conceitos estéticos; mas espetáculos não. E como a Sociedade do Espetáculo veio para ficar – nesta conjuntura onde predomina a decadência, pois sabe-se melhor promover espetáculos do que resolver problemas críticos e urgentes que estão acontecendo em muitos lugares do mundo – estamos em palpos de aranha.

Ângela Alhanati
contato@angelaalhanati.com.br
Livre pensadora exercendo seu direito à reflexão

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