Gato branco

O gato branco tem o rabo preto. E até as costas das pernas traseiras são pretas também. Além da ponta de uma das orelhas, agora não me recordo se a esquerda ou a direita. O restante é quase todo pelo branco. Um pelo brilhoso, farto; chega até a franzir, como um tapete que havia antigamente na casa da avó de um amigo meu. Toda vez que dávamos uma pausa na pelada para ir lá beber um copo d’água eu me perdia e descansava olhando as dobras daquele tapete cor de caramelo. Nunca me atrevi a por os pés sujos sobre ele, embora tivesse vontade.

Quanto ao gato, o que mais chama minha atenção são as três bolas pretas desenhadas horizontalmente ao longo de sua lateral. Três bolas que remetem a reticências. Um símbolo que toda vez que vejo sobre uma folha branca me dá a sensação de estar se movendo. Reticências é como se algo continuasse vivamente a acontecer (…). É o que acontece aqui. A tarde continua vivamente a acontecer. Mas eu creio que isso se tornou possível apenas depois da passagem do gato branco, condutor das reticências que o nascimento lhe tatuou no pelo. Reticências vivas! Agora, involuntariamente, olho para a rua a espera de que o continuar acontecendo aconteça com o gato. Contudo ele insiste em se esconder para espreitar os melros que de tanto cantar suspeito estejam em épocas de praticar o jogo da sedução.

O gato branco… Não direi – por facilitadora analogia – que me traga sorte nestes dias entardecidos. Mas posso afirmar e mostrar que me trouxe a crônica.

Rafael Alvarenga
escritor e professor de Filosofia
www.blogspot.ninhodeletras.com

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