No reino dos tempos secos de inverno

Nesses tempos secos de inverno as nuvens são feitas de vento. Por fora são lindas e cheias de formas exóticas, mas por dentro não são recheadas por uma gota d’água sequer. Também o chão perdeu toda água. A terra está rachada e mostra sua profunda velhice. Até o mato recua economizando sua própria verdessência.

Isso é o que me salta aos olhos toda vez que vou regar minha horta. Molho a base de cada planta e penso nas chuvas do tempo quente. Quanto trabalho terão! Regar o mundo inteiro sem fazer distinção entre aroeira e ipê; capim e cebolinha; mandioca brava e batata doce. Chuva pra tudo e pra todos sem distinção do querer.

De minha parte humana ajudo como posso. Não fico por aí maldizendo a estação, como se por acaso o mundo melhorasse se fosse tudo uma época de chuva e calor, não necessariamente nessa ordem. Então aproveito para admirar os cactos durante o dia e as estrelas ao longo das noites.

Sei que apesar do inverno seco, toda tarde, na altura da Serra da Mantiqueira, há uma concentração de nuvens. Essas são diferentes. Tem as barrigas acinzentadas e parecem bem recheadas. Entretanto, de tão pesadas, não chegam até esse vale. Ficam lá, protegidas pelos cumes frios das montanhas, se reunindo numa espécie de confraria. De tardes em tardes até parece que alguma delas discorda da opinião das outras e chove. Mas ainda não é nada que seja como uma grande explosão, ainda não é nada que seja como chuva do tempo quente.

Afinal, os tempos secos de inverno ainda reinam soberanos com sua beleza particular.

Rafael Alvarenga
Escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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