Volto a falar de um assunto que considero gravíssimo e que sempre fica secundário nas políticas públicas, mas em alguns momentos, como agora, ganham as páginas dos jornais e matérias especiais em programas televisivos. Ganham destaque, não porque a mídia se interessa em promover o debate, mas porque as autoridades tomam medidas extremadas, fantásticas. Medidas de 15 minutos de fama. O governo de São Paulo, do Rio de Janeiro e outras capitais devem seguir o mesmo caminho, a menos que a Justiça intervenha, adotou ganhando as manchetes, a internação compulsória de dependentes químicos. Uma medida violenta e sem qualquer efeito concreto no tratamento de abstinência do dependente. O que se consegue e o que eles querem são as ruas limpas desse mal que chegou para expor o quantos somos incompetentes para administrar esse tipo de problema: incompetentes do ponto de vista de políticas públicas e incompetentes do ponto de vista fraternal. A internação ajuda no tratamento quando é voluntária, ou seja, o dependente precisa querer se tratar. Isso é básico, porque ele precisa de motivações – ainda que isto pareça longe de algumas dessas pessoas, já completamente dominadas pelas drogas – para tentar criar novos laços, expectativas que não a fumaça da droga ou os momentos de ausência da realidade. Porque é isso que quem busca a droga e se torna um dependente quer: ausência completa da realidade. Uma realidade (dele) que não serve mais, por isso a droga, a rua, o fundo do poço. E pra sair dele, tem que estender a mão e não ser conduzido. Veja, estou me referindo aos dependentes químicos, não aos usuários eventuais ou também chamados recreativos, estes muitas vezes, a favor desta política agressiva da internação compulsória e ao mesmo tempo promotor do tráfico de drogas sem os problemas que os dependentes enfrentam. Muitas pessoas simplificam o assunto dizendo entre outras coisas, que a família sofre muito e quer o melhor ao solicitar a internação compulsória. Sofre sim. Muito mesmo, mas não querem o melhor. Não querem porque não sabem o que é o melhor. As famílias são desinformadas e acumulam conceitos que passam longe da tentativa de diagnosticar os motivos que levam um integrante da sua família às ruas e às drogas. O assunto não é de fácil resolução: são necessárias várias frentes, um plano de trabalho com programas e projetos que visem atender o dependente químico em todas as fases de recuperação e neste caso estamos falando de redução de danos e tratamento. A prevenção merece outras abordagens. Estou falando deste usuário que as emissoras de TV mostram fumando crack pelas ruas, como se esse fosse o pior das drogas. E não é. O pior ela não mostra, pelo contrário, ela vende em suas propagandas milionárias. A droga que mais cria dependentes e abre portas para as demais e permanece com os doentes, em todas as fase, é o álcool.
Muitos pais são codescendentes com os excessos dos filhos quando esses começam a beber. Acham que é coisa de adolescente, de integração ao grupo, ritual de passagem. Ritual de passagem é o escambau; pais que deixam seus filhos menores de idade irem para a balada sem qualquer acompanhamento responsável estão primeiro, descumprindo a lei, e, indiretamente dando oportunidade para outros problemas, entre eles, o uso de bebida e outras drogas. E, não me venham com aquela conversa de que são outros tempos, é difícil segurar filho. Pra depois achar fácil pedir a um juiz a internação compulsória desse filho. Não estou generalizando, por favor. Sabemos que existem casos que apesar dos critérios na educação dos filhos, muitos são dependentes, mas também para estes casos é preciso fazer um diagnóstico e tentar responder: por que esta pessoa está fugindo da realidade? O que ela está buscando nas drogas que não encontrou na família, nos amigos, na profissão? Que hiato em sua vida pode ter levado a esta situação? O que falta? Este assunto merece muitos e muitos debates e ações imediatas sim, mas com a seriedade que ela exige. Não vejo os governos preocupados em elaborar um plano de prevenção e atendimento. Só vemos ações de Polícia. Quem não lembra de Resende, dia 27 de julho de 2012? Quando, depois de uma reunião com autoridades no gabinete do prefeito José Rechuan, sai uma decisão, na minha opinião desastrosa: a “higienização”. Sem pessoas competentes na área social e sem um plano, Rechuan apela para a Polícia Militar que recolhe os usuários na noite anterior, os obrigando a ficar dentro do ônibus da PM até a manhã seguinte quando deixados no Ciep da Cidade Alegria iniciam o que eles chamaram
de “atendimento social”. Um desastre. Vai lá agora, ver quantos daqueles recolhidos estão em tratamento. Quantos estão em abstinência. Já sabemos o que não dá certo. A dependência química não é um problema de Polícia, tanto que hoje delegados, juízes e até coronel da PM começam um debate sobre a descriminalização das drogas no país. Por que será que os especialistas na área são contra essas medidas, sejam de higienização e/ou internação compulsória? Por que os especialistas nunca são ouvidos? Alguns especialistas “obedecem” ordens e buscam justificativas para ações políticas de efeito espetacular nos noticiários. O que particularmente lamento. Em Resende, uma cidade com mais de 120 mil habitantes o problema se alastra de forma assustadora. Precisamos urgentemente de um diagnóstico das ações existentes hoje no município, do Plano Municipal de Políticas sobre Drogas e não de recolhimento de usuário na rua para “limpeza”. Não adianta divulgar concurso de redação sobre o tema nas escolas públicas se os professores ainda carregam preconceito e visões distorcidas sobre seus alunos dependentes ou dos pais destes. Pode parecer muito interessante, para algumas pessoas e incluir no calendário das escolas, policial militar fardado dando palestra para crianças sobre drogas, onde repete infinitas vezes a palavra “proibido”, “morte”, “prisão”, “perigo” e “não”, tal como as campanhas
antidrogas, sem sucesso algum. É preciso repensar o assunto e como abordá-lo. Penso que Resende precisa fazer isso urgentemente e se não for pelo poder público, que seja além dele. Todos sabem minha opinião que tenho expressado aqui ao longo dos anos sobre o governo Rechuan, que considero elitista, a começar pelo próprio prefeito. Áreas cruciais como a pasta da Assistência Social entregue a pessoas completamente desqualificadas, penso assim, para tratar deste tema. Fui integrante do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas (Comad) durante quase três anos em Resende e não vi qualquer proposta e ação partindo desta pasta que colaborasse neste tema, pelo contrário, as faltas dos representantes é que eram constantes, inclusive no Fórum de Políticas Sobre Drogas realizado no Colégio Salesiano. Na verdade, o que vejo, nesta Secretaria é a administração – e ruim – da verba que chega dos programas federais para Resende e olhe lá. O Comado está muito atrelado à Superintendência de Ordem Pública o que também considero ruim, pois é mais uma vez, a visão de Polícia que predomina. Ainda que o Ed Murphy tenha se empenhado, e acho que ainda se empenha, para fazer o Conselho atuante, o trabalho é limitado e a dependência do Conselho, talvez como outros conselhos na cidade, ao direcionamento dado pelo governo é lamentável. Quando saí do Comad estava em início as discussões de grupos temáticos para a elaboração de um Plano Municipal. Quase um ano depois, não temos nem mesmo uma linha desse plano. As reuniões mensais que eram às 17h30, soube que passaram para o meio da tarde, aquele horário que agrada aos participantes do governo (geralmente CCs) e impede que trabalhadores que não podem se ausentar para participar o façam neste horário. Outro lamento. Enfim, há muitos, mas vamos deixá-los de lado e agir. Precisamos efetivamente discutir este tema e elaborar um Plano Municipal que precisa ser compartilhado em audiências públicas e grande participação dos diversos segmentos. Vamos fazer com que os governos realmente se importem com este assunto. Precisamos disso ou estamos fadados única e exclusivamente ao lamento. Não quero lamentar, quero participar de ações que possam realmente reduzir o número de jovens que ingressam no mundo das drogas. Falei sobre a Secretaria de Ação Social, mas o trabalho em rede (que não existe em Resende) deve integrar outras pastas, na verdade todo o governo. A Saúde também não prioriza este tema, apesar de ter a faca, o queijo e o dinheiro na mão, como também a Educação, a Cultura ou o Esporte. E sem prioridade vamos continuar buscando medidas espetaculares, de 15 minutos. Não quero lamentar, quero que o município promova mais estudos e pesquisas (só fez uma em 2011, a pedido do Comad) para diagnosticar e assim, elaborar políticas mais eficazes de prevenção, tratamento e redução de danos às drogas. Vamos ao debate e às ações.
Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br
Vamos fazer assim, se cada um que critica o poder público, adotar um viciado, levar pra casa, dar carinho, atenção, tratamento, comida e tudo o que ele tem direito, não teremos mais viciados nas ruas. Se adotam cachorrinhos e lhe dão todo o carinho, porquê não adotar seres humanos doentes e necessitados???
Caro leitor,
O deboche não ajuda a minimizar o problema que esbarramos nas ruas e muitas vezes dentro de casa. Não é preciso levar pra dentro de casa, porque o que está acontecendo e que os doentes estão deixando as casas. O problema é muito mais complexo e carece sim, de políticas públicas. O governo municipal recebe verba federal para implementação dessas políticas e deve fazê-lo com competência, o que ainda não vemos, infelizmente.