QUEM PENSA? Deus não tem contrato de exclusividade com religião

Nunca antes na história desse país se viu falar tanto de intolerância. Estamos vivendo tempos de falta de fraternidade. Acho, só acho que São Francisco se estivesse entre nós jogaria a toalha, porque tá osso ouvir diariamente agentes públicos, pagos com dinheiro público fazerem pregações de conveniência eleitoreira e condenar os grupos minoritários que lutam por direitos ou evitam os retrocessos. Jesus Cristo então, talvez pedisse a Deus para ver se tem a possibilidade de mandar um filho mais novo, com mais entendimento dessas modernidades tão egoístas, porque coitado passar por tudo novamente… é dose.
O monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro Marcelo Barros escreveu o artigo abaixo em 2013 e traz informações que podem nos ajudar a entender um pouco o que continua ocorrendo. Ou não! Como diz Caetano. Por vezes me ocupo de um sentimento menor com relação a esses representantes públicos que usam a religião, que fingem diante das câmeras em seus cultos midiáticos e que ao abrirem os olhos apedrejam impiedosamente aqueles que pensam ou agem diferente. Deixo o monge falar por mim, pois faz isso com muito mais competência. Reproduzo porque acredito que a fala dos bons também ecoa nos ignorantes, mais cedo ou mais tarde. E depois a professora Angela Alhanati também aborda  com brilhantismo o assunto intolerância, aqui na coluna ao lado.
Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br

“Apesar de que todas as religiões pregam amor, compaixão e misericórdia, infelizmente, quando as religiões se tornam dogmáticas e autoritárias, todas têm sido instrumentos de fanatismo e de intolerância. Mesmo caminhos espirituais baseados na compaixão universal e na não violência absoluta como é o Budismo tem servido em alguns momentos e lugares como pretextos para intolerâncias e perseguições a dissidentes e pessoas consideradas infiéis. E durante a história, a religião que mais caiu nessa tentação da violência e da intolerância contra “os outros” e os diferentes, foi o Cristianismo. Isso em absoluta contradição com o evangelho e o espírito de Jesus de Nazaré.
No Brasil, apesar da Constituição Brasileira defender a liberdade de culto para todas as tradições religiosas, ainda existem programas de rádio e televisão nos quais se pregam a intolerância e se combatem algumas tradições religiosas, como por exemplo, as de matriz afrodescendente. Assim, em janeiro do ano de 2000, no Rio de Janeiro, Mãe Gilda, Yalorixá do Candomblé, viu duas vezes o seu templo ser invadido por pessoas de uma Igreja neopentecostal que entraram no templo e destruíram os assentamentos dos Orixás. E no dia 21 de janeiro, Mãe Gilda viu estampada em um jornal uma foto sua com a legenda: “Macumbeiros ameaçam a vida e o bolso dos clientes”. Ao ver aquilo, aquela senhora idosa teve um infarto e faleceu. Para que não se repitam mais fatos como esse, em 2007, o presidente Lula assinou uma portaria através da qual, cada ano, 21 de janeiro é considerado o “Dia Nacional contra a Intolerância Religiosa”.
Para acabar com a intolerância cultural e religiosa, não basta uma lei ou decreto. É preciso transformar interiormente o processo da fé. Muitas confissões religiosas ainda confundem a verdade com uma forma cultural de expressar a verdade. Por isso absolutizam dogmas e tendem a se fechar em um autoritarismo fundamentalista. Daí, facilmente, se justificam conflitos e até guerras em nome de Deus. Em 1965, em um dos seus mais belos documentos, (a declaração Nostra Aetate), o Concílio Vaticano II proclamava o valor das outras religiões e incentivava os católicos do mundo inteiro ao respeito ao diferente e ao diálogo. Também, em 1961, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 Igrejas evangélicas e ortodoxas, pediu às Igrejas cristãs uma atitude de respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras tradições religiosas.
Atualmente, no mundo, a diversidade cultural e religiosa é, não somente um fato que, queiramos ou não, se impõe à humanidade. Devemos reconhecê-la como graça divina e bênção para as tradições religiosas. Assim, elas podem se complementar e se enriquecer mutuamente. Nenhuma tem o monopólio da verdade. Todas estão em caminho, como peregrinas da verdade que a maioria das tradições chama de Deus. Com nenhuma religião, Deus assinou contrato de exclusividade. E ao contrário, nas diversas tradições, de um modo ou de outro, revelou que se deixa encontrar no diálogo e na abertura ao diferente.
Para que este diálogo seja verdadeiro e profundo, cada grupo religioso tem de reconhecer o que Deus nos revela, não somente a partir da sua própria tradição, mas do caminho religioso do outro. Não para que o cristão se torne budista ou o budista se torne cristão, mas para que cada um, em sua tradição, seja enriquecido espiritualmente com a iluminação que o outro recebe.
Para esta abertura pluralista e para o diálogo daí decorrente vale o que, no século IV, dizia Santo Agostinho: ‘Apontem-me alguém que ame e ele sente o que estou dizendo. Deem-me alguém que deseje, que caminhe neste deserto, alguém que tenha sede e suspira pela fonte da vida. Mostre-me esta pessoa e ela saberá o que quero dizer'”.

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