Resolvi trazer um texto do Mario Prata essa semana porque tenho visto muitos resultados infrutíferos das relações discutidas. Nem sempre relações amorosas, antes fossem, porque amar, ainda que com prazo de validade vencido (em alguns casos), sempre vale a pena.
“O amor realmente muda as pessoas”, ouço isso com frequência de pessoas que têm no seu círculo de amizades pessoas que de alguma forma estão mais felizes, talvez menos atenciosas com os amigos e sobretudo menos chatas e racionais. Aí, concluo: na verdade, a falta de amor é que muda as pessoas. As torna mais duras consigo mesmas, com os outros então… nem se fala. Às vezes, cegas ou acromatópicas, mas sempre também habilidosas para “discutir a relação”. Sua relação com o mundo e com as pessoas.
Por isso resolvi trazer um texto sem pretensões, deste autor mineiro que gosto muito, para uma reflexão de nossas relações amorosas, mas que podem, guardadas as devidas circunstâncias do ambiente, servir para as relações cotidianas, no trabalho, nas ruas, com os amigos, nas redes sociais e até naquele exercício do espelho (aquele que só tem uma pessoa sabe?)
Ana Lúcia analucia@jornalbeirario.com.br
Amor, vamos discutir a nossa relação?
Mário Prata
DISCUTIR: defender ou impugnar (assunto controvertido); questionar.
RELAÇÃO: comparação entre duas quantidades mensuráveis. (Aurélio)
Há alguns anos, eu e minha mulher (hoje ex-) fomos convidados pelo cantor e compositor João Bosco para assistirmos ao show dele no Teatro Municipal de Santo André. Como não sabíamos o caminho, João Bosco, que ia com a Kombi da gravadora, ofereceu-se para uma carona. Pegamos ainda o genial jornalista policial Otávio Ribeiro (Pena Branca) e sua noiva no Hotel Cineasta no centro de São Paulo e lá fomos nós. Pena tinha acabado de escrever um livro chamado Barra Pesada.
Quando chegamos, o teatro estava superlotado, não havendo mais espaço nem no chão. O produtor do João nos arrumou quatro cadeiras e lá ficamos nós num cantinho do palco. No centro, com foco de luz, apenas o João, o banquinho e o violão.
Foi quando tudo se deu. Pena Branca e a noiva começaram uma discussão no palco. Lá no cantinho, para constrangimento meu e da Marta, enquanto João Bosco reclamava de “um torturante bandeide no calcanhar”. Da discussão partiram para um bate-boca de baixíssimo nível. Altos brados e baixos calões. Começaram a se xingar. O que aconteceu é que as mais de mil pessoas que lotavam o teatro começaram a desviar os olhos do centro do palco para o canto. Ali, naquele pequeno espaço cênico, estava acontecendo um outro espetáculo. Um casal DISCUTIA A RELAÇÃO, com o João Bosco fazendo um mero e distante fundo musical. Foi um sucesso, para desespero meu e da Marta, meros figurantes sem fala, porém boquiabertos. Não sei se o meu saudoso Pena Branca continuou com a moça depois daquele dia. Sim, porque quando se começa a DISCUTIR A RELAÇÃO é, quase sempre, porque não existe mais relação. Apenas discussão.
DISCUTIR A RELAÇÃO é um ato recente. Antigamente, lá pelos anos 60, não se fazia isso. Quando o namorado ou a namorada chegava para o outro e dizia: “Sabe, eu estive pensando…” Pronto, o ouvinte já sabia que era o fim. Não havia mais o que discutir. Saía cada um para o seu lado dizendo que houve (que saudades) uma “incompatibilidade de gênios”. Isso resolvia tudo.
E os nossos pais jamais discutiram a relação. Nem mesmo a relação sexual. Dava-se uma porrada e não se falava mais naquilo. As mulheres (infelizmente) sabiam do seu lugar ao lado do fogão, sem o fogo do amado.
Mas o mundo girou, a lusitana rodou, vieram os psicanalistas e as feministas. Sim, foram eles que instigaram as mulheres a DISCUTIR A RELAÇÃO. Sim, são sempre as mulheres que começam (e acabam) as discussões e as relações. Os terapeutas, porque colocam na cabeça da gente que devemos dizer tudo que pensamos da pessoa amada para ela e não para o melhor amigo. E as feministas, bem, as feministas…
Mas, antes de surgir a expressão DISCUTIR A RELAÇÃO, tivemos outros nomes para a mesma desgastante peleja. “Vamos dar um tempo’ não durou muito. Depois surgiu “Nossa relação está desgastada”. Por que não “gastada”?
Hoje, modismo ou não, não há casal que não DISCUTA A RELAÇÃO, pelo menos uma vez por semana, igualando ao número de atividades sexuais. DISCUTE-SE A RELAÇÃO nos mais variados lugares. Alguns sombrios, outros perigosos.
O melhor lugar para se discutir a relação é na sala. Está-se próximo do uísque, da televisão que pode ser ligada a qualquer momento e mesmo da porta, para uma saída furtiva e quase sempre covarde. E é ótimo DISCUTIR A RELAÇÃO andando em círculos, com um copo na mão, um ouvido na fera e um olho no futebol. Sim, as mulheres adoram esta atividade aos domingos. Eu tenho um amigo que, quando quer sair sozinho com os amigos, diz: “Vou até lá em casa e dou um jeito de DISCUTIR A RELAÇÃO com a patroa, ela fica irritada e eu tenho um motivo para voltar aqui para o bar’.
DISCUTIR A RELAÇÃO no quarto só tem duas saídas. Tudo terminar numa belíssima e lacrimejante cena de amor (às vezes, até com uns tapinhas carinhosos) ou a ida de um dos meliantes para o outro quarto. No quarto, é impossível se tratar deste assunto impunemente. Principalmente se os dois atletas estiverem deitados. E nus. E se houver alguma faca por perto. Vide Robbit.
No carro, é um perigo. Deveria haver multa para esses casais que colocam em risco não apenas a vida deles, como também dos transeuntes e demais carros. DISCUTIR A RELAÇÃO dentro do carro sempre acaba em trombada na cara. E quem está dirigindo leva sempre a pior. Ou então propor um rodízio. Segunda, não discutem casais com final 1 e 2. Terça, 3 e 4. E assim por diante.
Agora, não há nada mais desagradável do que DISCUTIR A RELAÇÃO por telefone. É um horror. Geralmente é de madrugada. Longos silêncios… “Você está me ouvindo? Você está aí?” A gente não vê os olhos da outra pessoa, o sarcástico sorrisinho, a pequena lágrima rolando. Sem falar na conta do telefone.
E no restaurante, vocês já repararam? Sempre tem alguns casais que chegam calados, comem calados e calados saem. Um não dirige a palavra para o outro. Ledo engano. Eles estão, em silêncio, DISCUTINDO A RELAÇÃO. Acho uma covardia DISCUTIR A RELAÇÃO em silêncio. Eles não falam nada. Ela fica quebrando palitos e ele rasgando o guardanapo de papel. Imundando o restaurante.
Já os mais modernos DISCUTEM A RELAÇÃO via Internet. Ele digita um disparate para ela na Vila Madalena, o texto vai para um satélite, dali vai para Columbus (Ohio, USA), volta ao satélite, baixa na central do Rio de Janeiro e, finalmente, entra no computador dela em Pinheiros, a uns 500 metros de distância. Depois é a vez dela fazer o mesmo. Coitado do satélite que tem que decifrar aqueles palavrões todos. Em português, é claro!
Mas o pior não é DISCUTIR A RELAÇÃO. O pior é pagar fortunas a um profissional, sentar-se numa poltrona ou divã e ficar ali, durante 50 minutos, por intermináveis semanas, meses a fio, anos seguidos, repetindo tintim por tintim como foi a nossa última conversa com o ser amado, fazendo um esforço danado para lembrar fala por fala, todos os diálogos. E o terapeuta lá, com aquele olho de peixe morto, caído, quase bocejando, ouvindo, pela oitava vez, naquela mesma tarde, a mesma nauseante história de amor.
Sim, porque com ele a gente não DISCUTE A RELAÇÃO. Discutimos, no máximo, o preço. Da nossa dor.
Perfeito,quando se discute uma relação, é porque ela tá na corda bamba ou já acabou.Porque a relação é avida,o dia a dia, e os problemas surgidos deveriam ser tratado na hora ou não se vive apenas se empurra a vida com a barriga como diz o ditado………..