Se tem alguma coisa que move a minha vida é sem dúvida a oportunidade que me é dada de aprender coisas novas, perceber situações diferenciadas que exigem um novo processo de aprendizado e a certeza que essa fonte é infinita. Não me refiro apenas ao processo de aprendizado intelectual, profissional e convencional das relações em sociedade, mas principalmente ao que tange às surpresas, superações, resiliências, resistências e também, infelizmente a covardia, a manipulação, o barbarismo que o ser humano tem capacidade de apreender e difundir. Lendo Santo Agostinho me vi numa reflexão, não piegas ou fanática, mas de transcendência do que realmente interessa nessa nossa passagem por este mundo tão cheio de expiações. Pois acredito nisso, sim estamos aqui de alguma maneira resgatando, buscando cumprir não penas, mas prefiro dizer “missões”, afinal temos a chance de raciocinar e permitir-nos evoluir espiritualmente, se assim realmente desejarmos.
Santo Agostinho diz que o demônio seduz o homem de duas maneiras: com desespero e com esperança. Alguns homens são arrastados ao desespero pelo temor da justiça – DIVINA – mas antes, estimula põe gás na tentação e faz o homem lembrar da misericórdia, ou seja, a esperança de ter o perdão. Os pecadores querem pecar, mas sem perder a esperança da salvação. Pecam e dizem: “Deus é a própria bondade. Mesmo que agora peque mais tarde confesar-me-ei”. Assim pensam os pecadores, diz Santo Agostinho. Mas afinal o que é o pecado? Pelo conceito religioso, e sem dúvida a origem do termo, puro e simples, é uma transgressão aos princípios do que se escolheu seguir, mas o pecado adquiriu ao longo dos anos usos diversos muito diferentes daquele original, lá no jardim do Éden. Alguns pecados atuais, ainda que tenham peso religioso, se confundem, em alguns momentos com as práticas antiéticas e convencionadas em vários segmentos da sociedade, afinal, até os pecados religiosas sofrem relativismo. Então, não será pecado, se eu acreditar que pecado é o cultivar de ações que prejudicam o outro, sem vínculos religiosos, e que esse prejudicar é flagrado nas práticas que deveriam ser a favor do outro.
Como explicar mães e pais que matam filhos? Filhos que matam pais? Adultos que abusam de crianças? Adultos que espancam velhos? Profissionais que deliberadamente agem sem compromisso? Gestores públicos muito mais para organizadores de quadrilha do que para gerentes da coisa pública? Enfim, como entender a barbárie e o ódio que temos visto nos últimos tempos dessa era tão moderna, tão cheia de tecnologias e recursos, além de muita informação. Talvez, seja isso, esta entropia dos novos tempos que levam a uma saturação das relações e ao mesmo tempo, uma obrigação velada, às vezes, de que temos que saber tudo e falar sobre tudo e se posicionar sobre tudo e julgar tudo, como se tivéssemos conhecimento e autoridade para tal.
Esse pecado, talvez parecido com os já bem conhecidos e misturados, soberba e orgulho, pode ser a abertura que o tal demônio, que Santo Agostinho lembra bem, anda se deleitando. Outros pecados estão baseados na crença de que a misericórdia e a impunidade são avalizadores de seus atos. A misericórdia de Deus é infinita, dizem, mas os atos dela, ou seja, os de comiseração são finitos. Do contrário, a máxima “Deus é misericordioso, e também é justo” não seria tão proferida. Penso que a impunidade funciona como uma “misericórdia”, tamanho o número e intensidade de violência que assistimos. É como se as pessoas acreditassem que podem repetir sempre porque serão perdoadas ou não condenadas. Acho que dá mais ou menos na mesma coisa.
De Santo Agostinho encerro com Charlie Brown Jr acreditando que precisamos estar mais vigilantes, porque a coisa tá feia.
O diabo está solto mostrando seu novo tridente
Ele está mais bonito e afiou o seu novo tridente
Pra fazer sangrar a alma
De toda essa gente
O diabo está solto passeando com seu Chevrollet
De terno e gravata ninguém desconfia quem é
Vai na igreja rezar ele sabe que é preciso ter fé
O diabo está solto mexendo a sua panela
E a gente prova o sabor sem saber que já está dentro dela
Em cada porta de casa, os cães começaram a latir
É que o diabo está solto e os surdos já podem ouvir
Ele vai dar em dobro tudo aquilo que você não pedir
O diabo está solto cheio de boas e más intenções
Ele conserva o rabo e empresta seus dois corações
Um pra minha descrença e outro para suas orações
O diabo está solto mexendo a sua panela
E agente prova o sabor sem saber que já está dentro dela
Lá vem o diabo …
Nosso poço secou cem vezes e sem direção
Nosso passo mudou cem vezes e sem direção“Todo mundo perdido
Ninguém mais presta atenção
O diabo tá solto e quanto mais torto melhor
É que o diabo tá torto e quanto mais solto é pior
Pois quando desentorta cada vez o bicho fica maior
O diabo está solto mexendo a sua panela
E a gente prova o sabor sem saber que já está dentro dela
O diabo tá solto já não dá pra calar a sua voz
Porque da boca do inferno o poder vem da sua voz
Então boa noite baby e que Deus perdoe a todos nós
Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
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