QUEM PENSA? Barbárie: muito mais que uma palavra da moda!

“Quatro mulheres, com idade entre 18 e 22 anos, foram agredidas no Balaio Café, na 201 Norte, na madrugada desta sexta-feira (28/2). Uma delas está internada no hospital. Os suspeitos foram detidos em flagrante, as vítimas prestaram queixa na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) e afirmaram que o caso se trata de homofobia. “Lepra da sociedade”, “puta neguinha”, “sapatona” e “vocês têm que morrer”, foram ataques ouvidos pelas jovens”.

Um grupo de ONGs denunciou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, os atos de barbárie praticados no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA), desde o ano passado. A advogada da ONG Conectas Vivian Calderoni afirmou que a situação no presídio continua “crítica” e que o governo maranhense foi “incapaz” de conter a crise. Por fim, a ONG pediu que o relator especial da ONU sobre tortura, Juan Méndez, faça uma visita à penitenciária. Só neste ano, seis detentos foram assassinados em Pedrinhas — em 2013, foram 59 mortos. No pronunciamento, a advogada citou dois vídeos gravados dentro de Pedrinhas. Um mostra detentos decapitados e esquartejados após o fim de um motim. O outro exibe uma fila de presos nus sendo alvejados nas costas por policiais com balas de borracha”.

Os exemplos acima fazem parte dos inúmeros casos de barbárie praticada por integrantes da sociedade, assim como por representantes do estado. O caso mais recente trata da mulher linchada no litoral paulista e que era inocente, sem falar na “moda” de amarrar e espancar supostos ladrões em postes. Estamos num processo de deterioração, degeneração completa do respeito à vida do outro. Alguns genocídios marcaram a história da humanidade como o envenenamento de poços do deserto da Namíbia no início do século passado promovido pelos alemães, além do aprisionamento do povo daquele local que eram obrigados a trabalhar até a morte; foram cerca de 80 mil mortes em três anos. No Timor Leste, ocupada pela Indonésia que fez mais de 20 mil vítimas e em 1999, antes de sair do Timor, milícias indonésias mataram 61 pessoas que estavam escondidas numa igreja.

Quando a antiga Iugoslávia se separou em vários estados, os sérvios tentaram dominar o máximo de território. As vítimas foram os bósnios que foram executados e enterrados, matavam inclusive crianças. Estima-se que cerca de 40 mil mulheres bósnias foram sistematicamente estupradas. E quando engravidavam eram obrigadas a ter o filho. Resultado: a década de 90 marcada por mais de 100 mil bósnios mortos e mais de dois milhões obrigados a deixar suas casas. Entre 1939 e 1945 mais de 500 mil ciganos, os romanis, foram mortos pelos nazistas. Um dos casos mais macabros do médico nazista Josef Mengele é o dos gêmeos ciganos Guido e Ina, costurados um ao outro, pelas costas, como siameses. A mãe matou os dois com morfina para terminar com o sofrimento.

Em abril de 1994 milícias hútus promoveram um banho de sangue em Ruanda, na tentativa de exterminar os tútsis, outro grupo étnico. Na Armênia, cerca de 1,5 milhão de armênios foram mortos pelos turcos otomanos, na Primeira Guerra, acusados de traição e conivência com os russos. Na década de 70, no Camboja o líder Pol Pot resolveu exterminar todos que pensavam diferente do regime comunista. Foram quase 2 milhões de vítimas. O lema do Khmer Vermelho era “Manter você vivo não nos traz nenhum benefício. Destruir você não será nenhuma perda para nós”. Na Segunda Guerra, o holocausto vitimou seis milhões de judeus. Os nazistas montaram uma fábrica de matar: campos de concentração, câmaras de gás, febre tifóide, doenças, desnutrição, trabalhos forçados até a morte. A barbárie mais comentada no mundo.

Infelizmente continuamos a fazer história aqui e ali com as barbáries cotidianas e banalizadas por uma sociedade cada vez mais refém do medo e que acaba escolhendo matar antes para não morrer. Os números não chegam a ser comparados aos genocídios, mas são alimentados da mesma fonte, onde jorram a intolerância, o ódio, a vingança, a desinformação.

Retirei parte de um texto do blog “Combate Racismo Ambiental” para fechar este artigo. Tá lá tudo que penso, e agora reproduzo:

“Há quem ainda dê de ombros para os Direitos Humanos. Há quem diga, erroneamente, que os Direitos Humanos só aparecem quando um criminoso é condenado para evitar que seja maltratado nas prisões. Há quem acuse os defensores dos direitos humanos de passar a mão na cabeça de delinquentes e desamparar as vítimas deixando-as em condições de dor e sofrimento. Vale uma ressalva grande aqui. Direitos Humanos não se resumem às organizações de direitos humanos. Direitos Humanos são um tipo específico de Direito no qual os direitos universais de garantias fundamentais tem papel principal e sob o qual não são permitidos nenhum tipo de desrespeito ou ameaça a esses princípios. Uma boa definição de Direitos Humanos, com seus prós e contras, pode ser extraída do grande jurista italiano Norberto Bobbio. Nela se vê claramente que a metonímia que as pessoas acusam, ora por ignorância, ora por leviandade, ser resumo dos Direitos Humanos deteriora algo que surgiu como tentativa de solução para os cada vez mais perniciosos crimes
(leia-se duas grandes guerras, várias outras guerras, guerras civis, regimes de segregação racial, ditaduras e perseguições religiosas) e tentar fazer com que os países não entrem de novo na guerra de todos contra todos que tanto aludia Hobbes.

Um braço dos Direitos Humanos é visto sim no tratamento aos presos (no Brasil a metade nem está legalmente condenada, mas aguardando julgamento ao lado de criminosos já cumprindo suas sanções) em infernos precários nos quais seu crime se multiplica pelos maus tratos sofridos. Exemplo disso é um estudo encomendado pela BBC Brasil no qual vários juristas, operadores do direito, ativistas fizeram e apontaram os piores presídios e o que ocorre por lá. O complexo prisional de Pedrinhas (Maranhão) é só a ponta do iceberg. Nós somos o segundo país no mundo que mais pune e condena pessoas. Nós a amontoamos em pequenas selas e a jogamos em todo o descaso e violência possíveis. Encubamos o perigo. E olha que nem cito efetivamente os manicômios judiciais onde há prisão perpétua e pena de morte por olvide, por maus tratos, por tortura.

Cumpre fazer uma pergunta: é preciso mais para se dizer que os direitos humanos são infinitamente preferíveis a um estado de barbárie? O que ainda está obliterado nessa questão?”

Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br

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