QUEM PENSA? Os tentáculos de Rechuan

No sentido figurado, tentáculo significa cada um dos meios de que a ambição se vale para alcançar ou apreender aquilo que as tenta, aquilo que se apresenta como de interesse, objeto de desejo e claro, dependendo da situação o leque de “tentações” pode ser infinito. Percebo que os tentáculos também despertam fascínio, encantamento àqueles que estão ao redor do detentor dos tentáculos. Coisas que o saudoso e querido professor Crysógono Cavalcante definiria: “coisas do poder”. Essa fascinação por políticos que estão no poder, de um modo geral, assim como a necessidade de aproximação deles, me faz lembrar um outro filósofo que já citei em artigos anteriores: Étienne de La Boétie e seu “Discurso Sobre a Servidão Voluntária” que mostra que as pessoas são escravas por opção, pois são maioria e se sujeitam aos desmandos do tirano. Ele fala dos tiranos, inclusive os eleitos: “É o povo que se sujeita, que se corta a garganta, que, podendo escolher entre ser subjugado ou ser livre, abandona a liberdade e toma o jugo, que consente no mal, ou antes, o persegue”.

Isso talvez explique, em parte, porque a vinculação a partir de um cargo comissionado, por exemplo, para si ou para alguém da família ou um contrato de serviço é capaz de tornar pessoas reféns de um sistema que caminha ora para a corrupção, ora para o caos de uma administração que, acreditando ter sob controle alguns grupos, prioriza interesses desses grupos e não os da população de um modo geral. Os tentáculos do poder abrangem vários níveis: dos menos esclarecidos aos que exercem também funções de poder e autoridade. Nesse nível então, parece que há uma “camaradagem” além das relações formais, uma conivência que se aproxima pela ideia hierárquica, um refestelo entre os “nobres”, um eterno repoltrear-se nas mansões, lanchas e restaurantes com risadas de quem acredita ser inatingível e tudo acompanhado de bom uísque e bons charutos, é claro.

Pois bem, a introdução tentacular nos empurra para situações semelhantes também em Resende, onde o prefeito José Rechuan (PP) exibe seus tentáculos – alguns banhados de vaidade – num caminhar que ele acredita ser o melhor de todos os governos que Resende já teve. Ele mesmo, em seus discursos costuma desafiar afirmando que quer ver outro governo que tenha feito tanto quanto o dele fez por Resende. Ora prefeito Rechuan, o senhor fez coisas boas sim, como todos os outros prefeitos fizeram também. Afinal, foi eleito para isso, mas o que me decepciona não é sua arrogância de querer mostrar-se melhor que os outros ou sua vaidade, até compreensível, Maquiavel explica melhor isso, mas o que me decepciona de fato é perceber que seus objetos de desejo – quem sabe não é miopia minha? – passam ao largo dos interesses públicos. E pior, sua insistência em não discutir com a sociedade algumas questões importantes e que fazem parte, inclusive da identidade do município.

Exemplo? A questão da área do Resende Futebol Clube. O senhor prefeito, no passado, repetiu o mesmo erro de seu antecessor ao fazer um contrato com o clube sem licitação e sem justificativa de interesse público. Depois, percebeu o erro, mas não o consertou. Pelo contrário, tentou driblar o erro e fez um convênio. Mais uma vez, o assunto foi questionado na Justiça o que o obrigou a dar fim ao convênio, mas o senhor prefeito, acompanhado de praticamente de todos os vereadores mais uma vez, não reconheceu o erro, pelo contrário, usou politicamente a questão como se fosse vítima de uma orquestração de pessoas que odeiam o Resende Futebol Clube. Quis faturar em cima, ou seja, negligenciou mais uma vez o interesse público. Os vereadores, ano passado, ao aprovarem lei que concede ao clube utilidade pública fizeram discursos inflamados contra os supostos inimigos e “tudo porque é ano eleitoral” chegou a discursar o vereador Pedro Paulo Florenzano reafirmando que tudo deveria ser feito ao clube, sem citar também o interesse público e reconhecer os interesses privados existentes.

A questão nada tem a ver com a tradição do Resende Futebol Clube que se integra à história do município, até porque ninguém duvida disso. Só os discursos governistas que querem fazer crer que existe uma força contra o RFC. Da minha parte, nem contra, mas também nem a favor se existirem elementos que flagrantemente demonstram que os interesses públicos estão sendo negligenciados. E estão. Porque do contrário, o prefeito levaria o assunto a uma discussão mais ampla, mas o assunto volta aos debates políticos porque agora, na minha opinião, o prefeito Rechuan, tenta driblar mais uma vez as leis ao tentar mudar o termo de doação do terreno, onde é o campo do Resende Futebol Clube. A área foi doada desde que mantenha o interesse para o qual foi destinado, ou seja, esporte.

A área hoje do campo está sem manutenção adequada e nem lembra aqueles tempos que todos os fins de semana ficava lotado com resendenses que iam assistir as partidas que ali se realizavam. Pena. Parte da área foi comercializada, onde hoje se conhece como rodoviária velha, aliás, até aquelas lojas à luz da legislação parece antagônica ao termo de doação, mas o fato é que o lugar está feio mesmo e precisa de revitalização, mas revitalização não significa vender aquela área para a construção de um hipermercado que vai descaracterizar completamente a área do centro da cidade. Revitalizar sim, mas preservar também! É essa a proposta que está sendo elaborada pelo Comitê da Transparência e Controle Social a ser apresentada ao governo e aos vereadores. E a ideia da proposta surgir depois que o governo municipal encaminhou à Câmara um projeto de lei que pretende mudar a lei de doação do clube, facilitando assim a venda da área que terá um destino que a população não discutiu.

Muitos dizem: a área é do clube e ele faz o que quiser. É. E não é. Se fosse tão simples não precisaria dessa mudança na lei encaminhada pelo governo aos vereadores. A área foi doada sob condições, se estas forem quebradas pode perder a área, e exatamente para que isto não aconteça que o governo resolveu mudar uma lei que a princípio visa o interesse público, afinal, praticar esporte ainda é de interesse público, né? Como o projeto do governo teve repercussão negativa e os próprios vereadores temeram abraçar a causa sem melhor justificativa, o que fez o governo? Retirou o projeto de lei e fez um outro, este agora mudando a Lei Orgânica do Município, no seu artigo 9º, que fala sobre os bens móveis e imóveis do município, e, ao que parece, quer revogar os dois parágrafos do artigo tirando a dependência de aprovação do Legislativo sobre alienação de bens imóveis, assim como o parágrafo que diz que mudando destinação do bem doado este retorna para o município.

Caramba. Isso é que é tentativa de drible. Será que vai dar certo? Será que vai colar? Será que os vereadores irão compactuar? Será que o Ministério Público vai perceber que o interesse público no município de Resende, a cada dia, está indo às favas? Será que os tentáculos encantadores de Rechuan e suas intenções, conseguirão enredar mais uma vez boa parte das pessoas que acreditam que o povo só tem função na hora do voto e que prefeito é para decidir tudo do jeito que lhe for mais conveniente, sem participação popular? Volto ao assunto.

Ana Lúcia
editora do jornal BEIRA-RIO
analucia@jornalbeirario.com.br

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One thought on “QUEM PENSA? Os tentáculos de Rechuan

  1. Os tentáculos de Rechuan. Está complicada a vida pessoal e social do prefeito. Seus tentáculos atingiram a quem não deveria atingir. É uma pena que a emoção superou a razão. Será uma nova história de Romeu e Julieta.

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