Para o sistema ela está morta!

O caso da professora Maria de Fátima Teodoro dos Santos (na foto com a família), de 22 anos, que descobriu que constava como morta no Sistema Único de Saúde (SUS) há quase quatro anos, deixou à mostra as falhas nos sistemas de cadastramento do poder público. Primeiro, devido à ausência de cruzamento de dados, que permitiu que a professora se casasse, contraísse um financiamento de um banco público e se matriculasse em uma instituição de Ensino Superior mesmo constando como falecida. Segundo, devido à demora na atualização, já que em 2015 ela conseguiu realizar consultas pelo SUS normalmente, sugerindo que talvez o sistema não passasse por uma atualização desde setembro de 2012, quando foi registrado seu óbito.

Mesmo que ainda não soubesse, a professora explicou que o problema começou ao registrar o óbito do pai, Gilberto Dorneles dos Santos. Os documentos dela foram inseridos na certidão como se fossem dele e, na ocasião, ninguém se preocupou em conferir se a certidão estava correta.

– Meu pai já estava sendo velado, mas para o enterro precisávamos conseguir a certidão de óbito. Fui ao cartório e entreguei os documentos dele e os meus. Meu deram a certidão de óbito e nem olhei. Há dois meses eu fui marcar ginecologista porque tinha que repetir um exame, mas não consegui porque tinha lançado meu óbito no sistema. Fui no INSS e nem me atenderam direito, só falaram que não tinha nada errado. Aí no outro dia eu estava no cartório com minha irmã e pedi para olhar o que constava no número dos meus documentos e era que eu estava em óbito – lembrou Maria de Fátima.

O erro aconteceu porque a certidão foi feita com os números do RG e CPF dela, embora estivessem com o nome do pai. Na época, a família olhou o nome na certidão e não lembrou de verificar os outros dados. Com isso, ela consta como morta e o pai consta como vivo, já que o CPF dele não foi incluído nos sistemas. No entanto, para desfazer o engano, seriam necessários o CPF e a Carteira de Identidade do senhor Gilberto Dorneles dos Santos, que já foram jogados fora.

– A menina do cartório falou que eu tinha que ir à Receita Federal tentar conseguir segunda via do CPF do meu pai e ao Detran-RJ tentar a identidade, porque os documentos originais minha mãe jogou fora. Só que ninguém dava, porque disseram que não podem dar documento de uma pessoa para a outra. Aí voltei ao cartório e pediram para eu esperar até o outro dia. Quando cheguei no outro dia me mandaram procurar uma defensoria pública, porque eles não tinham como resolver. Foi quando resolvi procurar a imprensa – acrescentou a professora.

Há três semanas, a técnica de enfermagem Mariza Lamarão também descobriu que constava como morta no SUS. Ela tentou marcar uma consulta na unidade de saúde do bairro Manejo e descobriu que sua “morte” havia sido no dia 13 de julho, também em 2012.

– Me desesperei, fiquei com muito medo, que minha vida estava ferrada. Corri para a Receita Federal e lá meu CPF estava direito. A pessoa da unidade pegou meus números de identidade e do cartão e disse que ia mandar para Brasília. Ainda tentei ir ao posto da Praça da Matriz, mas lá também eu estava morta. Ainda preciso resolver isso, mas tenho dificuldades por trabalhar fora da cidade. Possivelmente usaram meu CPF para uma pessoa que morreu, mas ainda não está em todos os sistemas. Mas preciso resolver. Não perdi documentos e não fiz nenhum registro em cartório, não sei como começou, mas preciso resolver tudo isso antes que me dê mais problemas – declarou Mariza Lamarão.

Nos dois casos, durante os quase quatro anos em que o erro aconteceu, os dados dos documentos delas nunca foram verificados ou confrontados com outros do sistema, como manda a lei, o que dificultou a descoberta da confusão. Tanto é que o casamento de Maria de Fátima, no mesmo cartório em que o óbito do pai foi registrado, aconteceu exatamente dois meses depois de sua “morte”, mostrando que o cartório não verificou nem os próprios registros. A pensão por morte recebida pela mãe, a dona de casa Marli dos Santos, também foi concedida pelo INSS sem qualquer verificação do CPF de Gilberto dos Santos, já que legalmente ele ainda está vivo e por isso o benefício não poderia ter sido concedido.

– Quando minha mãe foi ver a questão da pensão, ela só apresentou a certidão de óbito e eles não olharam nada em sistema. Agora quando fui ver descobri que meu pai ainda constava como vivo e eu como morta. Aí eu perguntei como era possível minha mãe receber “pensão por morte” de alguém que não estava morto e a moça do INSS falou que eles não têm hábito de conferir documento, que tendo a certidão de óbito já basta. Fiquei chocada e achei um descaso – comentou Maria de Fátima dos Santos.

Agora a família vai precisar regularizar a pensão da mãe, mas para isso precisará primeiro resolver sua situação e depois emitir uma nova certidão de óbito para o pai. Então, sua mãe precisará solicitar o benefício mais uma vez. Depois que o caso apareceu na mídia, o cartório se prontificou a ajudar a família.

– Da última vez que estive lá sentamos até lá dentro com o responsável pelo cartório. Da primeira vez que fui disseram que não podiam me ajudar, mas depois que o pessoal da TV esteve aqui me ligaram para eu ir lá. Eles fizeram ofícios aos Detran e a Receita pedindo os documentos do meu pai e o Detran já até disponibilizou para eles. Só que no dia que apareceu na TV eles falaram que iam resolver tudo em cinco dias, da última vez não quiseram me dar prazo mais – relatou a professora.

A consulta médica também vai ter que esperar um pouco mais, porque o cadastro também precisa ser corrigido no SUS.

– Ano passado eu usei o SUS e não deu nada, mas disseram que foi uma atualização do Sisobi (Sistema de Controle de Óbitos) que fez com que meus documentos ficassem bloqueados. No posto me explicaram que até podem tentar me encaixar em uma consulta, mas se eu precisar repetir o exame tem que jogar no sistema e isso eles não conseguem. Eu vou ter que mandar um pedido de retificação para o Ministério da Saúde por email e outro por Sedex, e o pior é que eu que vou ter que pagar. Também não consegui fazer a rematrícula na faculdade, eu estou no 6º período e nunca tinha dado esse problema – lamentou.

Enquanto isso, a professora, que é casada, tem um filho e se considera muito saudável, ouve diariamente os alunos perguntarem se ela está viva ou morta. Para a mãe dela, Marli dos Santos, a filha precisa ser ressarcida pelo constrangimento.

– Ela tinha arrumado um advogado para tentar resolver o problema e entrou na Justiça contra o cartório, por isso que eles estão querendo ajudar agora. Mas eu quero o que ela tem direito. O que eles fizeram tem que dar danos morais. Foi um constrangimento, ela ir no posto e não poder marcar consulta, e agora ela não consegue fazer nada. Não nos explicaram nada, nem que ela ia ter que fazer outra certidão de óbito. Disso não vamos abrir mão de jeito nenhum – avaliou a mãe da professora.

Mariza Lamarão disse que também vai consultar um advogado, mas antes precisa saber a extensão de seu problema, como ele pode ter sido ocasionado e em que sistemas será necessária uma reparação.

A agência do INSS de Resende foi procurada para comentar as declarações de Maria de Fátima, mas a responsável, senhora Edilene, declarou que sua superintendência não a autorizou a dar entrevistas.

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