Próximos a uma esquina

Ele não soube o que dizer depois do beijo. Ela, para se ocupar, mexeu no cabelo que já estava preso. Desfez o nó, fez novamente. Nada acontecia para servir de tema a um vago comentário. Eram dois adolescentes próximos a uma esquina onde vez e outra passava carro e pessoa. Enquanto ela amarrava o cabelo ele olhou para o céu. Não fazia o calor de março; tampouco nuvens carregadas anunciavam tempestade. Um fim de tarde ameno.

Ela demorava no trato. Claro que se ajeitava, pois queria um elogio. Entretanto esperava que esse e aquele carro descessem a rua também. Pensou na manifestação que bloqueou meia pista pela manhã. E só sentiu falta dela agora.

Ficaram frente a frente com as mãos soltas e enfim ele chegou mais perto e a abraçou. Contudo não convidou para uma caminhada até a praça. Pareciam que traíam cada qual a seu cônjuge. Ou que vivessem um amor proibido desses de livros cujas famílias se odeiam desde as capitanias hereditárias em razão de terras, poder, cacau ou sei lá mais o que. Não queriam ser vistos nem ouvidos. Entretanto, não saíam das proximidades de uma esquina onde vez e outra passava carro e pessoa.

Passou o menino vendendo picolé. E ao ver o jovem casal apertou sua buzina com a força de quem anuncia gol do Brasil. Passou também a patamo, mas namorar na calçada não é mais proibido há décadas. Passou até o professor de física, mas ia cheio de provas a corrigir e aulas para dar.

Nela as pernas bambeavam. Nele as mãos suavam. Parecia acusados de um crime. E até eram cúmplices, mas neste caso, da vivência da primeira paixão.

Rafael Alvarenga
escritor e professor de Filosofia
ninhodeletras.blogspot.com.br

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