O racismo é uma realidade, mas precisamos superá-lo

Desde cedo a mãe da gente fala assim:

‘filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor.’

Aí passados alguns anos eu pensei:

Como fazer duas vezes melhor, se você tá pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses… por tudo que aconteceu? duas vezes melhor como? (Racionais Mc´s – A vida é um desafio)

 

Mais um episódio de racismo acontece. Dessa vez envolvendo uma autoridade política da região. Nada incomum para quem sabe como o Brasil se estrutura e como pensam algumas pessoas. Aliás, há ainda quem negue que o Brasil é um país racista e não exista o racismo estrutural, mas a realidade mostra exatamente o contrário.

Por racismo estrutural devemos entender um sistema que discrimina e segrega pessoas negras incutindo uma mentalidade de que são menos capazes. Um dos termos filosóficos utilizados para descrever a questão é ideologia. Que em suma é o falseamento da realidade.

Silvio de Almeida escrevendo sobre o racismo estrutural diz o seguinte:

“O racismo é uma ideologia, desde que se considere que toda ideologia só pode subsistir se estiver ancorada em práticas sociais concretas. Mulheres negras são consideradas pouco capazes porque existe um sistema econômico, político e jurídico que perpetua esse condição subalternidade[…]” (ALMEIDA, 2019, p.67).

Quando uma pessoa se refere a alguém como subalterno pela alcunha de “neguinho”; “negrinha”, “pretinho” o faz com base nessa premissa de racismo estrutural, uma vez que, às populações negras historicamente foi legado um lugar subalterno e com difíceis possibilidades de mudança, pois não são dados os mesmos pressupostos – a tão falada meritocracia.

Nesse sentido, o Brasil desenvolve uma relação colonial de ódio de classe que não atinge apenas os negros, mas negros e pobres. Ao menos é o que atesta Jessé Souza quando fala do abandono por parte dos senhores em relação aos ex-escravos e ao chamado o ódio de classe no Brasil.

“Esse é o berço da classe abandonada e odiada. Uma classe só tolerada para exercer os serviços mais penosos, sujos e perigosos, a baixo preço, para o conforto e para uso do tempo poupado em atividades produtivas pela classe média e alta” (SOUZA, 2017, p.101).

A dura constatação de Jessé nada mais é do que a realidade de milhões de pessoas ao redor do Brasil, que lutam por dignidade e deparam-se com piadas, brincadeiras e toda sorte de injúrias raciais.

Lélia Gonzalez na década de 1980 já protestava contra o uso da figura de mulher (negra sobretudo) como serviçal e objeto.

Lélia Gonzalez – intelectual negra brasileira.

Contudo, a resistência se faz por meio de conscientização, pela denúncia e ocupação de espaços. Talvez não haja maneira melhor de tratar da questão como a proposta de espaços e ocupação de lugares que foram negados às populações negras. Uma delas é a educação.

Hoje tenho a oportunidade de escrever nesse espaço. Porém, a minha avó paterna foi negado o direito à educação. Embora com muitas limitações o Brasil possibilitou que descendentes de negros tivessem acesso à educação e com isso direito à voz. Em memória de minha avó querida que sofreu com o racismo e os preconceitos com relação à população negra sinalizo que somente por meio da mudança de mentalidade; fomento da cultura negra e educação podemos sair dessa imbróglio.

Identidade de minha avó paterna: Alice Marcelino de Sousa. Descendente de escravizados. Analfabeta. Herdeira da estrutura excludente do racismo.

Mais uma vez a letra dos Racionais vai insistir:

É necessário sempre acreditar que o sonho é possível,

Que o céu é o limite e você, truta, é imbatível.

Que o tempo ruim vai passar é só uma fase,

E o sofrimento alimenta mais a sua coragem.

Que a sua família precisa de você

Lado a lado se ganhar pra te apoiar se perder.

Falo do amor entre homem, filho e mulher,

A única verdade universal que mantém a fé. (Racionais Mc´s – A vida e um desafio)

É no rompimento das barreiras; problematizando as questões sociais; insistindo na educação como meio de transformação; promovendo a cultura negra e ocupando espaços que negros, descendentes de negros e lutadores contra o racismo superarão o preconceito e construirão uma sociedade mais justa e igualitária.

Aos ofendidos e injuriados nossa solidariedade; nossa revolta e esperança de que esse sentimento não se torne revanchismo, mas sim abra portas para o diálogo e uma cultura de educação ao invés da reprodução da ignorância.

***

ALMEIDA, de Sílvio. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.

SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

 

Luis Carvalho – filósofo.

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